Takahashi:
desconhecimento dos japoneses sobre o Brasil é o mesmo de
30 anos atrás
|
Quem
é
Nascido em Saitama, em 1950, o escritor Yukiharu Takahashi é
formado em Sociologia pela Universidade de Waseda. Em 1975, esteve
no Brasil para conhecer a comunidade japonesa. Ficou três
anos no País, trabalhando como repórter do Jornal
Paulista (atual Jornal do Nikkey), quando conheceu a esposa, Madalena.
|
(Reportagem
e Foto: Helena Saito / ipcdigital.com)
A história
dos japoneses no Brasil e dos brasileiros no Japão são temas
recorrentes nas obras do escritor Yukiharu Takahashi. Autor de 30 livros,
ele viaja ao Brasil a cada dois anos para rever amigos que fez quando
descobriu sua fonte de inspiração inesgostável, além
de visitar parentes de sua esposa Madalena, brasileira neta de japoneses,
família cuja história também virou material para
um obra.
Takahashi sempre
se interessou por histórias humanas. O que ouve, investiga e pesquisa
ele transforma em obras de não-ficção. Entre 1975
e 1978, trabalhou como jornalista em São Paulo, e sempre se encantava
com as histórias que ouvia de seus entrevistados. Não se
contentava em resumir tudo em um artigo de jornal. Esmiuçava tanto,
que o relato virava matéria-prima de literatura. De volta ao Japão,
Takahashi continua atrás de histórias. Seu livro mais recente,
Nikkeijin no Rekishi wo Shiroo (Vamos conhecer a história dos nikkeis,
em tradução livre), foi lançado há dois meses.
|
International
Press: Por que resolveu escrever livros sobre a imigração?
Yukiharu Takahashi: Minha intenção é ajudar os
japoneses a conhecer a história dos imigrantes no Brasil e dar
instrumentos para compreenderem os brasileiros que vieram para cá
trabalhar.
IP: Como
começou essa sua preocupação?
YT: Minha mulher é brasileira. Com o movimento dekassegui,
alguns parentes dela também acabaram indo para o Japão,
para a região de Aichi. Quando soube que seus filhos tinham deixado
de freqüentar as aulas por causa de maus-tratos, resolvi conversar
com os professores. Aí, descobri que eles desconheciam a história
da emigração japonesa. É lamentável! Esses
professores me explicaram que, no livro didático para o chuugakkoo,
há apenas uma página que trata do assunto.
IP: O que
os japoneses sabem sobre imigração?
YT: Deve haver muita gente que nem sabe que outros japoneses emigraram
para o Brasil, os Estados Unidos... E, por desconhecerem essa parte da
História, são incapazes de compreender os sofrimentos e
as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes.
IP: Que
imagem os japoneses têm dos brasileiros?
YT: Os japoneses ainda acham que o Brasil é um país
subdesenvolvido. Chegaram a perguntar a meus parentes se eles já
usavam roupas antes de virem trabalhar no Japão! Não sabem
que, em São Paulo, circulam carros, que muitos moram em grandes
apartamentos, levando uma vida até melhor do que a deles.
IP: Desde
que o senhor começou a escrever até hoje, a sociedade japonesa
mudou?
YT: Apesar dos avanços tecnológicos, do surgimento da
internet e de a informação fluir mais rápido, a situação
não mudou em relação há 30 anos. Lembro-me
de um caso ocorrido em 1970, em que um coreano foi aprovado no teste de
admissão da Hitachi, mas a empresa lhe pediu para recusar a vaga.
O caso foi parar no Tribunal como discriminação racial e
foi muito noticiado. Nessa época, os coreanos enfrentavam dificuldades,
como não conseguir alugar apartamentos, problema semelhante ao
que brasileiros enfrentam hoje. Por esse exemplo, vemos que os japoneses,
no fundo, não mudaram em nada em 30 anos.
IP: Casos
de maus-tratos também são comuns entres os japoneses. Por
que isso ocorre?
YT: O japonês está sempre à procura de alguém
para maltratar. Dá a impressão de que, para se sentir tranqüilo,
precisa de um alvo. Os coreanos foram os primeiros, mas os alvos podem
ser brasileiros, ou mesmo japoneses portadores de deficiência, considerados
mais fracos.
IP: Como
acabar com a discriminação?
YT: Apesar de existirem grupos de minoria étnica, como coreanos
e ainus, o Japão é considerado um país formado apenas
por japoneses, é um povo de raça única. Além
disso, os japoneses se consideram um povo de 1ª classe (Ittoo koku).
De 2ª classe dizem que são os coreanos; e o de 3ª, os
chineses. Com esse tipo de raciocínio, o preconceito racial em
relação a ainus, coreanos e outros estrangeiros se mantém.
Pensando em como acabar com essa situação é que decidi
escrever o livro Sooboo no Daichi (1991), que retrata a história
da família de minha mulher.Há um provérbio japonês
que diz Hito no fukoo wa mitsu no aji. Quer dizer: na
infelicidade dos homens, há um sabor de mel. No Brasil, um
repórter perguntou a uma japonesa idosa o que a deixaria mais feliz
e ela respondeu: Quando o armazém do vizinho for incendiado.
Esse sentimento de ter sempre alguém por baixo para se sentir tranqüilo
é também um ato de discriminação.
IP: O que
o senhor quis mostrar no capítulo Independência e dekassegui?
YT: Mesmo com as limitações, os imigrantes acharam importante
seus filhos estudarem o português, além de japonês,
o que lhe possibilitou uma ascensão na sociedade brasileira. Outro
ponto que enfatizo é o significado do kanji majiru
(misturar-se). As palavras compostas por esse ideograma, como konzatsu
(tumulto) e konton (caos) possuem conotação
negativa. Enquanto em palavras como junshu (raça pura),
com o ideograma de não se misturar, também presente
em junsui (pureza) e junjyo (ingenuidade), têm
conotação boa.
Na prática, vemos que os imigrantes japoneses no Brasil tentaram
não se misturar com os nativos para preservar o que achavam ser
uma coisa boa. Consideravam os brasileiros gaijin (a pessoa de fora),
apesar de eles serem os estrangeiros no Brasil.
IP: Dá
para transformar o Japão em um país de imigrantes?
YT: Para isso acontecer, é preciso garantir aos estrangeiros
os mesmos direitos dos japoneses. Além de assegurar-lhes o emprego,
é necessário dar-lhe treinamento profissional. Esse é
o momento de o país abrir suas portas para culturas diversas. Tal
como escreveu Tatsuzo Ishikawa (escritor, autor do livro Sooboo): Se
o Japão continuar como está, ficará órfão
do mundo, ou seja, o país estará isolado do resto
do mundo.
|