Com
a campanha, a ativista Kenko Minami briga por mais direitos aos
nativos da floresta amazônica
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Quem
é
Formada pela Universidade Feminina de Belas Artes de Tóquio,
Kenko Minami trabalhou como produtora artística de programas
infantis da NHK, como o Hyokkori Hyootanjima, e na produção
de concertos. Em maio de 1989, ela estabeleceu a Fundação
Rainflorest Japan. Em abril de 2000, lançou o livro Amazon,
índio kara no Dengon (Mensagem dos Índios da Amazônia).
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(Reportagem:
Helena Saito/ ipcdigital.com | Foto: Arquivo Pessoal)
Com a intenção
de conhecer de perto tribos indígenas do Brasil, principalmente
a Caiapó, Kenko Minami viajou 22 vezes ao país em um período
de 20 anos. O engajamento começou em 1989, ano em que decidiu mudar
o rumo de sua vida depois de saber da campanha mundial de proteção
à Amazônia. O movimento era integrado pelo cantor inglês
Sting, que percorreu o mundo, inclusive o Japão, acompanhado do
líder dos caiapós, Raoni Metuktire, a quem Minami foi apresentada.
Ela resolveu
se engajar nas questões indígenas e criou a Fundação
Rainflorest Japan, organização não-governamental
com sede em Tóquio, que, hoje, tem cerca de 1,7 mil associados.
Uma das principais atividades da Ong é realizar palestras e exposições
para divulgar e conscientizar as pessoas a respeito da situação
da floresta amazônica.
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International
Press - Como os índios são vistos no Brasil e no Japão?
Kenko Minami - Há bastante preconceito, acho que muitos vêem
os índios como animais. Os brasileiros, em geral, consideram os
índios como seres inferiores e preguiçosos. No Japão,
esse tipo de tratamento também era dado aos ainus, por serem de
uma minoria étnica. Ao longo de 20 anos, acho que nossa organização,
embora pequena, teve várias oportunidades de mudar o ponto de vista
do Japão sobre os índios brasileiros. Mas no Brasil, esse
processo tem sido lento. Acredito que isso ocorra porque as pessoas enfrentam
seus próprios problemas de sobrevivência, não tendo
como se preocupar com as questões indígenas.
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IP - Qual
foi a impressão que você teve no primeiro contato com os
índios?
Kenko - Quando entramos pela primeira vez numa aldeia, eles se sentiam
ameaçados por nos considerarem intrusos, embora nós, os
asiáticos, tivéssemos a mesma origem deles mongolóide.
Estavam muito desconfiados. Lembro que nas duas primeiras vezes, fui com
um grupo de pessoas e não tínhamos levado muitos mantimentos.
Chegou a faltar comida, mas os índios se negavam a nos ceder alimento.
Pensava comigo, por que tinha de passar por isso? Mas entendi
que a reação era devido às péssimas lembranças
que eles têm do passado. Há 500 anos, o Brasil era habitado
pelos índios. Nessa época, viviam de 7 a 10 milhões
de índios. Hoje restam apenas 350 a 380 mil deles uma proporção
de três para cada 100 pessoas. Eu diria que o progresso do Brasil
ocorreu em troca de vidas e sofrimentos dos índios.
IP - A partir
de quando o relacionamento com os nativos ficou mais próximo?
Kenko - Isso aconteceu na quinta viagem. Sempre procurei cumprir as
promessas, mesmo que fosse de algo que nos parece insignificante, como
doar motor, balsa ou transmissor sem fio, mas que é de grande ajuda.
Foi assim que eles começaram a acreditar em nós. Temos a
grande responsabilidade de jamais destruir essa confiança, para
que as próximas pessoas possam chegar sem problemas. Não
quero que eles tenham a imagem de que os japoneses são traidores.
IP - Como
foi a comunicação com eles nas primeiras visitas?
Kenko - Era feita por intermédio de índios que falavam
um pouco de português. No nosso grupo também havia um brasileiro,
que entendia o dialeto deles. Para nos comunicarmos durante a visita,
dava para misturar japonês, português e a língua indígena
(embora talvez tivesse algum mal-entendido). Mas, quando se tratava de
projetos, os materiais eram traduzidos.
IP - Qual
foi a maior dificuldade que você teve para se adaptar à vida
na floresta?
Kenko - Na minha infância, morei no campo, onde tinha de cuidar
das plantações e buscar água na fonte. Também
não vivo só cercada pela modernidade. Quando entro na selva,
vou preparada para enfrentar privações, como falta de água
e banheiro. Confesso que no início foi complicado, mas fui me acostumando
a ponto de hoje eu me sentir confortável na aldeia.
IP - Dos
projetos realizados pela ONG, qual teve melhor resultado?
Kenko - Muita gente pergunta o mesmo, mas os trabalhos que desenvolvemos
não podem ser mensurados, porque se trata de área inexplorada
e com conceito de valor diferente. Se for falar de alguns projetos, poderia
citar a construção de escolas em seis aldeias. A estrutura
do prédio de uma delas foi feita com a ajuda do governo japonês,
e a ONG doou computadores, carteiras, cadeiras e livros. A construção
das outras cinco escolas teve início em 1994, com o objetivo de
manter a tradição e a cultura indígena.
IP - Como
são as aldeias?
Kenko - O local onde eles habitam é uma reserva que tem proteção
do governo. Ali é proibida a entrada de pessoas de fora. Mas a
periferia da reserva é explorada, com a instalação
de fazendas. Principalmente na aldeia Bau, onde tinha um pequeno garimpo
com exploração de ouro que usava a mão-de-obra de
índios jovens e analfabetos. Nesse local, havia um bar e um prostíbulo
freqüentados por eles. Alguns foram contaminados pelo vírus
HIV, voltaram ao povoado e acabaram transmitindo a doença aos outros.
Os líderes reconhecem que isso ocorre por falta de informação.
Por isso consideraram importante a instalação de escolas.
Seria uma forma de manter a tradição e ensinar sobre a sociedade
brasileira.
IP - Que
tipo de cuidados é necessário tomar para se relacionar com
os índios?
Kenko - A minha preocupação é não lhes
impor o meu conceito de valor. Por exemplo: os índios não
determinam o início nem o término de uma reunião,
nem que o almoço deve ser ao meio-dia. Uma vez estando na aldeia,
procuro seguir o ritmo deles.
IP - E o
que aprendeu com eles?
Kenko - São muitas coisas. No mundo civilizado, existem bens
materiais em abundância, mas os homens são pobres espiritualmente.
Pelo menos nos locais onde damos ajuda, não há casos de
suicídio, de maus-tratos nem de pessoas neuróticas. Isso
me faz pensar o que seria a felicidade dos homens. Conseguimos a prosperidade
e os bens materiais à custa dos outros, nos esquecendo do que é
o sentimento humano. Por isso não existe o respeito no mundo civilizado,
coisa que é comum entre os índios.
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