Tanno:
Empreiteiras preferem estagiários chineses e vietnamitas
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Perfil
Nascido em Saitama, Kiyoto Tanno
concluiu o mestrado em sociologia pela Universidade de Hitotsubashi
(Tóquio). Atualmente, o sociólogo leciona na Universidade
Metropolitana de Tóquio. É autor de vários trabalhos
relacionados às questões sociais e trabalhistas dos
estrangeiros, principalmente dos brasileiros. Frequentemente, ele
é convidado para participar de programas de TV japoneses, para
abordar o impacto da crise sobre a comunidade brasileira.
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(Reportagem
e Foto: Helena Saito / ipcdigital.com)
Além
de pesquisar o fenômeno dekassegui no Japão, Kiyoto Tanno
viaja pelo menos uma vez por ano ao Brasil desde 1997, para acompanhar
o desenvolvimento da comunidade japonesa na América Latina e dar
continuidade ao projeto de estudo comparativo sobre os imigrantes.
Em sua opinião,
os brasileiros que vivem no Japão devem se organizar, agir e batalhar
pelas soluções dos problemas que enfrentam, em vez de esperar
a ajuda dos governos japonês e brasileiro. A iniciativa de
qualquer organização civil deve partir de quem enfrenta
o problema, salienta.
No livro intitulado
Kao no Mienai Teijyuka Nikkei Burajirujin to Kokka, Shijyoo, Imin
Network (Fixação com presença invisível
Brasileiros e o governo japonês, mercado de trabalho e a integração
dos imigrantes), escrito em parceria com mais dois pesquisadores, Tanno
aborda esse e outros temas tratados na entrevista a seguir.
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O que motivou
o seu interesse pelos brasileiros?
Kiyoto Tanno: Passei a me interessar pelas questões dos brasileiros
quando observei o aumento repentino de empreiteiras recrutando mão-de-obra
para o Japão. Depois disso, desde 1997, passei a viajar ao Brasil
pelo menos uma vez por ano e, desde 2006, tenho permanecido cerca de dois
meses no País, por conta de um projeto de análise comparativa
sobre a imigração. Devo concluir esse trabalho em 2010.
O que o
senhor quis dizer com a expressão presença invisível
citada em seu livro?
Tanno: Na realidade, houve um pequeno equívoco no entendimento
da expressão presença invisível dos brasileiros.
Muita gente a interpretou simplesmente como falta de relacionamento
ou de contato cotidiano entre brasileiros e seus vizinhos japoneses.
Entenderam dessa forma, porque os brasileiros iam trabalhar cedo e voltavam
à noite, não sendo visíveis à vizinhança.
Essa é apenas uma das facetas. O problema não se restringe
a isso.
E qual é,
de fato, o problema?
Tanno: Para tentar esclarecer essa expressão, em dezembro de
2007, publiquei o livro Sistema trabalhista que transcende as fronteiras
e os trabalhadores estrangeiros. Nele, apresento dados de uma fábrica
que produz autopeças em Toyota (Aichi). Essa firma empregou 2,6
mil funcionários efetivos entre 2002 e 2005 e fez a contratação
direta de 39 brasileiros em 2002 e de 126 em 2005. Mas são outros
dados que chamam a atenção: 270 pessoas estavam registradas
como contratadas pelas empreiteiras ou como trabalhadores temporários
em 2002. Porém, na realidade, não eram 270, mas 700 pessoas
trabalhando. Isso porque a diferença de mais de 400 brasileiros
era contabilizada como objetos, e não como funcionários.
Então,
os brasileiros são contados como objetos, e não como pessoas?
Tanno: Sim. Vou citar outro caso. Observando os cartões de
ponto de uma empresa em Hamamatsu, percebi que todos se chamavam Matsuo
e eram diferenciados por números de 1 a 130. Isso quer dizer que,
para a fábrica, não importava se era Edson, Mário,
ou uma outra pessoa. A questão não era quem estava na fábrica,
mas quantas pessoas estavam trabalhando e por quanto tempo.
Essa situação
persiste hoje?
Tanno: A situação melhorou um pouco para os brasileiros
desde 2004, quando sua presença se tornou mais visível.
Isso ocorreu graças à revisão da lei trabalhista,
que permitiu a contratação temporária (haken shain)
no setor manufatureiro. Se a contratação fosse do sistema
ukeoi (terceirização de serviços), esses operários
continuariam sendo considerados como peças pelas fábricas.
Como haken shain, passaram a ser contabilizados como pessoas.
Isso tudo
acarretou alguma mudança nas empresas japonesas?
Tanno: Visitando as fábricas, infelizmente, tenho notado que
elas estão adotando mais o sistema de terceirização
de serviços (ukeoi). Outro ponto que pesa contra os brasileiros
é o seu envelhecimento. Esses trabalhadores, que chegaram com 20
anos, no início do fenômeno dekassegui, hoje, estão
com 40 anos. E são eles, os mais velhos, os primeiros a serem cortados
quando aparece uma crise como a atual. Os brasileiros também estão
perdendo espaço para os estagiários (kenshuusei), em sua
maioria chineses e vietnamitas. Mesmo as empreiteiras estão preferindo
esse grupo, até mesmo para se manter no mercado de recrutamento.
Afinal, para elas, não importa quem são os trabalhadores,
desde que possam colocá-los nas fábricas.
O que as
empresas ganham ao fazer a substituição de um trabalhador
brasileiro por um estagiário?
Tanno: Há uma grande diferença de valor pago a um brasileiro
e a um estagiário. No caso dos brasileiros, a remuneração
girava em torno de ¥ 1,2 mil/hora (cerca de R$ 29). Incluindo a margem
de lucro de ¥ 300 (em torno de R$ 7), a empreiteira cobrava ¥
1,5 mil (aproximadamente R$ 36) das empresas. Já os estagiários
se sujeitam a trabalhar por ¥ 500/hora (perto de R$ 12). Isso quer
dizer que as empreiteiras podem cobrar até ¥ 1 mil (cerca de
R$ 24) das fábricas ambas ganham com isso. E cada vez mais
esses estagiários, que, antes, estavam restritos aos setor de tecelagem,
hoje, ocupam lugar nas fábricas de autopeças.
O senhor
diz que a tendência é aumentar o número de estrangeiros
na terceirização de serviços. Quem está trabalhando
nesse sistema?
Tanno: Continuam trabalhando no sistema de ukeoi os brasileiros que
falam o mínimo de japonês. Por não terem conhecimento
do idioma, eles não conseguem melhor colocação no
mercado. Se o estrangeiro tiver domínio do idioma, tem grande chance
de ser efetivado coisa rara até dez anos atrás.
O que os
brasileiros que não falam o idioma japonês podem fazer para
assegurar seus direitos?
Tanno: Em primeiro lugar, é preciso organização.
Se querem garantir seus direitos, eles precisam ter iniciativa própria
e batalhar pelas soluções, pois, enquanto eles esperarem
pela boa vontade dos japoneses, o problema não será resolvido
tão cedo. Temos o exemplo dos sul-coreanos que residem no Japão.
Eles criaram uma associação e têm banco. São
estrangeiros, mas conseguem negociar seus direitos com o governo.
Organizações
como o fórum das cidades com maior concentração de
estrangeiros não ajudam?
Tanno: Esse fórum visa apenas a amenizar os gastos das prefeituras,
cobrando do governo central a responsabilidade de oferecer apoio financeiro
aos estrangeiros. Essas cidades não estão buscando o reconhecimento
do direito dos brasileiros. Enquanto os brasileiros não se unirem
e não criarem seu próprio grupo, essa situação
vai continuar. A iniciativa de qualquer organização civil
deve partir de quem enfrenta o problema.
O que mais
a respeito dos brasileiros o senhor quer transmitir com seus livros?
Tanno: Nós, japoneses, devemos ter gratidão aos brasileiros
e aos peruanos, pois eles trouxeram dinamismo ao setor industrial. No
atual cenário de crise, há japoneses que defendem a volta
desses estrangeiros a seus países de origem. Mas eu defendo a tese
de que eles devem permanecer e receber a mesma ajuda oferecida aos cidadãos
japoneses.
Em seu livro,
o senhor fala das diferenças entre nisseis e sanseis...
Tanno: Falo do ponto de vista dos empregadores e da socidedade japonesa.
A maioria dos empresários tem me dito que, se, desde o princípio
desse movimento, tivessem trazido sanseis, iriam restringir a sua entrada
em massa. Se o Japão abriu a porta para receber nikkeis, foi porque
estava interessado no trabalho dos nisseis. Eles, sim, teriam deixado
uma boa impressão, pois receberam educação diretamente
dos pais japoneses. Os sanseis estariam trabalhando no Japão à
custa dessa herança.
Em sua opinião,
quanto tempo deverá durar essa crise?
Tanno: Apesar de não ter nenhuma previsão da recuperação
econômica, é preciso estar preparado para o momento seguinte.
Mesmo quando a economia se recuperar, os brasileiros devem continuar a
lutar pelos seus direitos. Se não fizerem isso, cairemos em um
círculo vicioso no qual os trabalhadores se acomodam em época
de vacas gordas, aceitando qualquer coisa em troca do dinheiro.
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