A
publicação de Japan 1900, pela Editora Taschen,
ilustra as transformações de uma sociedade agrícola
para urbanizada e ajuda a entender como o país ocupa
o posto de primeiro credor e maior investidor do mundo.
Texto:
Jorge Barcellos
Ao longo de mais de dois milênios e meio de história
desenvolveu-se nas ilhas do arquipélago japonês
uma pujante sociedade cujo passado oferece ricas lições
de como a cultura, identidade nacional e o valor dado ao trabalho
são essenciais para definir um povo. No momento em que
o capitalismo neoliberal vive seu êxtase com a desagregação
das culturas nacionais, a luta social e política e a
exploração e desvalorização do trabalho
por grandes conglomerados - inclusive japoneses - é importante
buscar no passado daquele país a preservação
de valores universais, difundidos pelo mundo pelos japoneses
através da imigração. Eles serão
capazes de sobreviver a sua economia neoliberal em expansão?
A
questão encontra amparo no fato de que em 2025, daqui
há exatos três anos, serão comemorados os
120 anos do Tratado de Amizade Brasil-Japão, oportunidade
de aprofundar as reflexões iniciadas em 1995 pela Universidade
de São Paulo, quando a professora Nobue Myazaki propôs
o projeto A Cultura Japonesa Pré-Industrial
para rever as bases do trabalho da sociedade japonesa moderna.
Frente a uma sociedade hoje imersa no capitalismo planetário,
quais eram e como ela preservou valores da vida do Japão
pré-industrial e como eles se transformaram em exemplo
para o trabalho em todo o mundo? Diz o professor emérito
da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo Jacques Markovitch: -
Todos dizem que outros milagres, além do econômico,
enchem de orgulho o povo japonês. Dentre eles, o milagre
de trabalhar em condições adversas e o de fazer
coexistir o seu progresso material e as suas tradições.
Eis uma virtude a mais na vida nacional do Japão: cultivar
a boa tradição. Isso é saber escolher,
saber distinguir. Saber vencer o tempo, filtrando, em sua passagem,
os valores dignos de permanência.
Em
Japan 1900 (Editora Taschen) temos a visão original das
origens tradicionais do Japão moderno. Organizado por
Sebastian Dobson, pesquisador independente dos primórdios
da história da fotografia japonesa e Sabine Arqué,
documentarista e autora de inúmeras obras de história
do turismo e da fotografia, a obra é um calhamaço
de cinco quilos e meio, onde mais de 700 ilustrações
dividem suas 532 páginas de história do Japão
do inicio do século XX, um volume que mede 33x47cm, o
que o transforma no maior livro que você lerá em
sua vida. A Editora Taschen, depois de se consagrar na publicação
de grandes obras sobre grandes cidades como Paris, Nova Iorque,
Berlin e Los Angeles, passou a editar obras dedicadas a grandes
países como França, Alemanha, Itália e
o Japão, entre outros em volumes de peso. Editora fundada
por Benedikt Taschen na cidade de Côlonia nos anos 80,
inicialmente era voltada para a impressão de obras de
baixo custo mas hoje, com sua filha Marlene Taschen, transformou-se
em uma editora de livros que são verdadeiras obras de
arte, razão pelas quais seus preços possam parecer
salgados ao leitor brasileiro. Em uma época em que o
livro digital parece dominar o mundo, é um esforço
e tanto: porque o leitor deveria investir num livro o que gasta
num celular? Porque não se tratam de imagens captadas
pelo Google Earth, mas recolhidas em acervos raros espalhados
pelo mundo que permitem passear pelos encantos de Nagasaki na
virada do século XX, ver como os antigos japoneses registraram
em fotos o santuário de Miyajima, como andavam pelas
ruas de Kobe à sua agitação nas fábricas
de Osaka ou nos quarteirões tradicionais de Quioto e
Nara, resgatando cenas de uma época do Japão onde
a tradição convivia com a modernidade. Após
um capítulo introdutório, onde os a autores descrevem
as condições de acesso ao Japão do inicio
dos anos 1900, a obra é organizada em cinco seções
que correspondem às principais regiões da ilha.
Um
tour pelo Japão
Dobson & Arqué introduzem a obra afirmando a idade
do ouro das viagens aos Japão coincide com os quarenta
e cinco anos do reinado do imperador Meiji, período que
inicia em 1868 com o fim da ordem feudal e põe fim ao
isolamento do país do resto do mundo que vinha há
cerca de duzentos anos - Esse novo governo das Luzes vai
até 1912, período em que o Japão se integra
à ordem internacional, constrói sua marinha e
participa de guerras importantes contra a China (1894-1895)
e Rússia (1904-1905), afirmam os autores. É
nesse período em que se consolida a arte da fotografia
no Japão e que os hábitos ocidentais afetam as
tradições orientais. Essa história inicia,
segundo os autores, para os estudiosos da fotografia japonesa
no presente quando eles vencem a primeira barreira, o idioma
e, para os praticantes da fotografia no passado, quando venceram
a primeira barreira do acesso a uma máquina fotográfica.
Criada em 1839 pelo francês Louis Daguerre, não
há uma resposta para quando chegou no Japão a
primeira máquina fotográfica, então chamada
Daguerreótipo. Pesquisadores japoneses acreditam que
a primeira máquina teria chegado a Nagasaki importada
pelo comerciante japonês Ueno, cujo filho Hikoma Shunnojo
se tornaria um dos primeiros fotógrafos japoneses profissionais,
ainda que, conta a história, não tenha ficado
tão rico com a arte como o fotógrafo japonês
Kajima Seibei. Um ano depois, a câmera, juntamente com
produtos químicos e equipamentos, teria sido vendida
para o poderoso daimyo Shimazu Nariakira, que começou
a experimentos fotográficos.
Durante
esse período, a cultura japonesa procurou acompanhar
o ritmo do mundo como na participação de suas
equipes nos jogos olímpicos de Estocolmo, no retorno
de uma expedição japonesa da Antártida
e pela presença de um japonês a bordo do Titanic.
Para Dobson & Arqué - ao mesmo tempo em que
o país se transforma em destino turístico e, portanto,
objeto predileto dos fotógrafos, é essa qualidade
de destino turístico que faz com que melhore o acesso
ao interior do país, o que faz com que o termo globe-trotter,
inventado em Yokohama, defina a nova geração de
viajantes pelo como os que viajam pelo mundo todo.
Júlio Verne, em sua obra A volta ao mundo em oitenta
dias, diz que se levava quarenta e dois dias para ir de Londres
à Yokohama, o que reduziu-se para vinte e um dias com
o ingresso da Canandian Pacific Steamship Company no mercado,
e depois ainda esse prazo reduziu-se para dezessete dias, num
trajeto via Moscou pela ferrovia transiberiana, a famosa rede
que liga a Rússia Européia ao Extremo Oriente,
podendo-se daí por navio a vapor chegar até ao
Japão.
Serviço:
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Editora: Taschen; 1ª edição em 25 junho 2021
Idioma: Multilíngue
Capa
dura: 536 páginas
ISBN-10:
3836573563
ISBN-13:
978-3836573566
(*)
Jorge Barcellos é Doutor em Educação/UFRGS,
autor de O êxtase neoliberal (Clube dos Autores, 2021)