Junji
Abe*
Já
foi dito que o ser humano deve escolher muito bem sua atividade
profissional, porque passará a maior parte da vida trabalhando.
Em tempos de crise, com recessão econômica e aumento
da taxa de desemprego, fica difícil falar em escolha. De
qualquer modo, vale observar algumas tendências do mercado,
que deverão se consolidar em pouco tempo.
Uma
boa amostra da mudança cultural que começa a ser
delineada na sociedade envolve os empregados domésticos.
O Brasil caminha para um cenário semelhante ao da maioria
dos países europeus, Japão e Estados Unidos, onde
os serviços domésticos ficam a cargo da própria
família. A presença de um profissional para cuidar
das tarefas cotidianas é exclusividade de gente abastada,
muito abastada. Os demais têm, no máximo, uma diarista
para fazer faxina a cada 15 ou 30 dias. Mesmo assim, pagando uma
polpuda quantia por diária.
A
chamada PEC das Domésticas, sancionada este mês pela
presidente Dilma Rousseff, deverá impulsionar a gradativa
mudança no modelo de contratação. Parte das
empregadas em serviços domésticos poderá
se tornar diarista. A lei que regulamenta os direitos dos trabalhadores
domésticos e passará a valer em 120 dias, na verdade,
chega com muito atraso.
Em
que pese o impacto das medidas no orçamento familiar da
classe média, principalmente em tempos de crise econômica,
é inconcebível ter empregados domésticos,
até hoje, sem os mesmos direitos dos demais trabalhadores
urbanos e rurais como FGTS (Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço), multa rescisória de 40% do fundo de
garantia, seguro-desemprego, seguro contra acidente de trabalho
e adicional noturno, entre outros.
Para
quem já assina a carteira da doméstica situação
que contempla parcos 14,2% do contingente de 7 milhões
de empregados da categoria no País, segundo o Ministério
do Trabalho , os efeitos financeiros das novas regras são
pouco significativos. Entretanto, aqueles que se habituaram ao
serviço cotidiano de empregado doméstico, mas nunca
lhe concederam qualquer direito trabalhista, sentirão bem
o peso das regras no bolso.
Provavelmente,
empregadores que ainda se pautavam pela abominável lógica
escravagista na relação com as domésticas
começarão a migrar para a contratação
de diarista, com o objetivo de se verem livres do vínculo
empregatício. Pela lei, empregado doméstico é
aquele que presta serviços de forma contínua a uma
família por mais de dois dias por semana.
Ao
mesmo tempo, a recuperação econômica do Brasil
tende a reduzir a oferta de mão de obra para serviços
domésticos. A conjuntura atual, marcada pela recessão,
interrompeu a queda do número de trabalhadores da categoria,
percebida desde 2008, período em que o crescimento nacional
ampliou o acesso à educação e a outras opções
de emprego.
Dados
do IBGE mostram que a proporção de empregados atuando
no mercado doméstico este ano subiu para 6,3% do total
de trabalhadores (contra 6,1% de 2014), após sete anos
de queda quase ininterrupta. É efeito do cenário
econômico desfavorável que dificulta a migração
das domésticas para outros postos no setor de serviços.
Ou ainda, força o retorno à atividade ou o primeiro
ingresso de trabalhadoras neste ramo.
O
que se vê no mercado de serviços domésticos
é similar ao que ocorre com o trabalhador rural. Quando
o meio urbano vai bem, a agricultura passa apuros com mão
de obra, porque a cidade exerce um incrível poder de atração
sobre as pessoas. Muitos empregados do campo preferem as atividades
urbanas, longe da lida sob as intempéries climáticas,
além de ter feriados e finais de semana livres.
Defendo
e apoio a justa ampliação dos direitos trabalhistas
das empregadas domésticas. Como não faço
parte do time de pessimistas de plantão, discordo do argumento
de que a nova legislação causará dispensa
em massa de trabalhadores. Acredito, sim, que o contexto econômico
e a própria sociedade brasileira determinarão ajustes
no mercado. Seja com mais diaristas em ação, seja
com a migração de parte do atual contingente de
funcionárias dos lares para outras categorias. Prevalecerá
o fundamental: as domésticas que permanecerem atividade
terão o devido respaldo legal para trabalharem com dignidade.
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