Opinião
- Edição 578 -
Jornal NippoBrasil
Novo governo, velho problema
Teruo Monobe*
Um
velho fantasma assusta o governo prestes a assumir o mandato: a inflação.
Trata-se do índice de inflação medido pelo IPCA,
que registrou, em novembro último, alta de 0,86%, muito acima do
esperado pelo mercado. Como se sabe, o IPCA é a baliza dos juros
estabelecidos pelo Comitê de Política Monetária (Copom),
do Banco Central. Com a alta do índice, é possível
que já na primeira reunião do ano, o Copom tenha que aumentar
os juros, o que estava fora de cogitação há pouco
tempo. Em resumo: novo governo, um velho problema.
Agora, um paradoxo.
Ao contrário do que ocorreu em 2008, quando os preços dos
alimentos, insumos agrícolas, petróleo e minerais metálicos
subiram muito, desta vez a explicação da alta da inflação
está na recuperação do mercado de trabalho. Pelo
IBGE, em outubro, o índice de desemprego foi de 6,1%, um resultado
espetacular. Essa recuperação faz com que aumente o poder
de compra da população, causando um aumento na procura por
bens de consumo de todo o tipo. Além disso, em geral, os dissídios
coletivos foram muito bons, acima da inflação.
Em uma economia
estável, o aumento da renda não provoca transtornos. No
Brasil, sim. A expansão do consumo sem a correspondente oferta
provoca um hiato inflacionário, pois a procura faz com que os preços
dos produtos aumentem. O que houve aqui foi uma elevação
dos preços de serviços, uma alta de 7,5% nos últimos
12 meses. Recorde-se que o setor de serviços já tem uma
alta participação no PIB, quase igualando os países
de primeiro mundo. Assim, é natural que um aumento nos preços
force para cima o índice de inflação.
A alta do preço
dos alimentos, portanto, não é a causa da elevação
da inflação. Mas, o governo está sinalizando uma
mexida nos preços de alimentos e de combustíveis. Ou seja,
quer expurgar do cálculo do IPCA as variações de
preços desses produtos, que costumam impactar muito nos índices.
O objetivo é até nobre: reduzir os juros básicos
da economia. Os analistas não pensam assim, mas uma coisa é
certa: até meados de 2011, os alimentos e combustíveis vão
influir muito na inflação dos próximos cinco meses.
O expurgo resolveria o problema.
A questão
está suscitando controvérsia, muita gente acha que isso
é uma manipulação de dados. Na realidade, é.
Ocorre que logo em janeiro, o Copom vai ter que decidir como serão
os juros básicos da economia. E, nesse mês, tradicionalmente,
as mensalidades escolares são reajustadas, as passagens de ônibus
e os aluguéis, também. A expectativa é que os aumentos
devam ser acima de 7%. A safra de grãos só entra em maio
ou junho, e a cana (matéria-prima do etanol) só a partir
de junho. Então, o combustível não vai ficar mais
barato até junho.
Ao fazer o
ajuste nos números do IPCA, o ministro da Fazenda vai contra a
metodologia de cálculo do índice. Tecnicamente, ele tem
razão. Países, como os Estados Unidos já fazem isso.
Por isso, como os preços dos alimentos e do petróleo sobem
e descem, retirar do cálculo do índice seria até
aceitável. Mas, sem as variações de preços,
o cálculo do IPCA fica capenga e perde a credibilidade como índice
de inflação. No passado, Mário Henrique Simonsen,
então ministro da Fazenda do governo Geisel, fez o mesmo devido
à inflação do chuchu. E virou piada.
Então,
o que é certo? O certo é respeitar a metodologia de cálculo
de todos os índices de inflação, seja IPCA, IPC ou
IGP-M, sabendo que todos eles têm suas limitações.
O errado é usar os índices como indexadores, como o uso
do IGP-M no cálculo de reajuste de contratos de eletricidade, por
exemplo. Assim, filosoficamente, estaria errado também usar o próprio
IPCA para balizar os juros básicos. Na realidade, ou se aceita
a metodologia atualmente usada, ou abandona-se o índice. É
irregular mudar as regras do jogo no meio do jogo.
Como dizem
os analistas, o melhor é efetuar um corte de gastos do governo
para combater a inflação. Dizem que a notícia do
expurgo é um factoide. Se for verdade, a equipe econômica
começa mal. O então ministro Mário Henrique Simonsen
foi execrado quando fez o expurgo da inflação em 1970, mas
o professor Delfim Neto fez quase o mesmo quando o sucedeu, prefixando
a correção monetária. Quase 40 anos depois, não
existe mais a correção monetária, mas alguma indexação.
O ideal é expurgar a indexação, mas isso é
muito difícil.
*Mestre em Administração Internacional e doutor pela USP
|