Opinião
- Edição 582 -
Jornal NippoBrasil
Discurso de posse
Teruo Monobe*
Discurso
de posse, principalmente de políticos, não é nada
agradável para ouvir ou ler. Discurso é algo formal, é
para cumprir um cerimonial. Os de cunho político são ruins
de qualquer jeito: como geralmente não são escritos pelos
discursantes, ficam só nas palavras. Na realidade, discursos de
posse são de criação dos escritores fantasmas (ghost
writers, como são chamados em inglês) e pouco representam
a realidade. É um amontoado de boas intenções, se
tanto. É para agradar o eleitor, que acha bonitas as palavras pronunciadas,
mas logo esquece.
O discurso
da presidente Dilma Rousseff não foi diferente. Ficou na generalidade:
reformas, crescimento, economia, estabilidade, agricultura, comércio
exterior, investimento público, gastos governamentais, ciência
e tecnologia, meio ambiente, programas sociais, pobreza extrema, pré-sal,
democracia, cultura e combate à corrupção. De bom,
a promessa de governar para todos e de eliminar a miséria.
O combate à corrupção já ficou manchado na
própria cerimônia de posse, com o abraço caloroso
da presidente na ex-ministra da Casa Civil, acusada de corrupção.
O que veio depois, a absolvição dos acusados, foi pior ainda.
Já algum
tempo antes da posse, a imprensa em geral escrevia sobre os desafios
do novo governo, ou os desafios da presidente. Com esses
títulos saíram muitos artigos. Quais seriam esses desafios?
Alguns temas citados: inflação em alta, gastos públicos
em excesso, déficits na conta externa e investimentos necessários.
Na melhor das hipóteses, fica a suspeita que a presidente, embora
faça força para não demonstrar, tenha recebido uma
herança maldita. Os restos a pagar e demais
contam chegam R$ 137 bilhões no ano.
Em seu discurso
de posse, em 1961, o ex-presidente John Kennedy conclamou o povo norte-americano
a participar do seu governo, com uma frase memorável (Não
perguntem o que o governo pode fazer por vocês, mas o que vocês
podem fazer para o governo). Na ocasião, o então presidente
era o primeiro católico ao posto máximo em uma nação
protestante, e também, o mais novo presidente dos Estados Unidos,
com 46 anos. Infelizmente, também se tornou o mais jovem presidente
a ser assassinado no exercício do poder.
Os agentes
econômicos, de tanto ouvir discursos, já estão dando
um desconto nas falas pronunciadas neste início de ano, quando
não só a presidente tomou posse, mas todos os governadores
de Estado. Como dizia um humorista, depois do desfile sobra o estrume
dos cavalos, os discursos dos governantes são protocolares,
fica o lixo da festa para ser removido. Portanto, o desafio não
é do governante, é da população, que tem a
obrigação de cobrar os políticos. Neste início
de ano, quem vai cobrar são os credores da dívida do governo.
Em um país
sedento de realizações por parte do governo, não
é demais esperar uma gama de obras: do PAC, da Minha Casa, Minha
Vida, da Olimpíada de 2016, da Copa do Mundo de 2014, dos diversos
programas lançados anteriormente e que não foram concluídos
(como a transposição do São Francisco, a Transnordestina)
ou nem sequer foram iniciados (como as hidrelétricas na Amazônia
e o trem-bala). Muitas dessas obras são alvos de contestações
(as hidrelétricas) e outras são de prioridade duvidosa (como
o trem-bala).
Como já
dizia Eclesiastes, existe um tempo para tudo. O tempo do discurso é
efêmero, só serve para a ocasião. Alguns deles, independentemente
da ação, entram para a história, pelo ineditismo.
Outros são palavras ao vento: são vazios, não resistem
ao tempo, têm a duração de um jornal diário,
quando muito. Na lembrança da população, menos ainda.
Entram por um ouvido, saem pelo outro. O Eclesiastes não disse,
mas deve existir tempo para discursar, e tempo para calar-se... e agir.
A presidente parece mais afinada com a ação, mas antes precisa
esquecer o discurso. E, antes da ação, vai ter que adotar
um slogan para o seu governo.
*Mestre em Administração Internacional e doutor pela USP
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