Demonstração
de fabricação artesanal de remédios
na loja Ikedaya Yasubee Shouten
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A
fachada, típica, da Ikedaya Yasubee Shouten no centro
da cidade de Toyama
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(Reginaldo
Okada)
No
século 17, o economista francês Jacques Savary escreveu
o livro intitulado La Parfait Négociant (O negociante
perfeito) como resultado de uma profunda pesquisa, realizada
por ele, sobre o sistema de venda de remédios no Japão,
sistema este conhecido entre os nipônicos por Toyama no
Kusuri-uri.
Os
europeus, segundo seus próprios relatos, ficaram impressionados
com a excelência como era exercido esse comércio,
considerando-o perfeito em todos os aspectos. Primeiramente porque
oferecia um produto de alta qualidade e, segundo, porque se baseava
em uma transação onde a confiança entre vendedor
e comprador era um quesito indispensável. Citou, ainda,
muitos outros pontos positivos, como profunda pesquisa de mercado,
registro detalhado com informações sobre seus clientes,
etc.
O que
comoveu o estrangeiro há três séculos ainda
causa forte impressão em quem visita a cidade de Toyama
e se aprofunda um pouco mais na tal história dos remédios.
Do ponto de vista cultural é extremamente enriquecedor
conhecer essa peculiaridade japonesa.
Origem
da tradição
A fachada, típica, da Ikedaya Yasubee Shouten no centro
da cidade de Toyama
Na
cidade de Toyama uma das opções é conhecer
o museu Baiyaku Shiryokan, dedicado a manter preservados objetos
antigos e histórias relacionadas com a famosa forma de
produção e venda de remédios. Por mais grotesco
que seja o relato, parece que tudo começou mesmo com uma
incontrolável diarréia. A vítima foi o chefe
feudal Masatoshi Maeda, da hoje província de Toyama, e
o fato se deu em 1681.
Conta-se
que o médico Jyookan Mandai, originário da região
da atual província de Okayama, lhe acudiu com um remédio
infalível, fornecendo-lhe inclusive a receita. Era o ainda
hoje produzido Hangontan, cujos 25 ingredientes constantes da
fórmula inicial são todos naturais, de origem vegetal
e animal. Uma verdadeira poção mágica para
a época. Tanto é verdade que em 1690, durante uma
visitação de Maeda ao castelo do xogum, na capital
administrativa do país, um outro chefe feudal teve a oportunidade
de experimentar, em um delicado momento de crise interna,
os efeitos curativos do medicamento oferecido pelo líder
de Toyama.
Após
esse episódio a fama do Hangontan se espalhou e outros
líderes feudais participantes da comitiva pediram a Maeda
que o comercializasse em seus domínios. Assim, o comércio
do remédio se espalhou para todo o país.
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Mascates
de remédio
Remédios tradicionais à venda na loja da fabricante
Ikedaya Yasubee Shouten
O
sistema de vendas Toyama no Kusuri-uri consistia de uma rede de
vendedores ambulantes que tinham cada qual uma determinada região
sob sua responsabilidade. Eles ficavam visitando as vilas e povoados
carregando nas costas os remédios. Nas casas, eram deixados
vários tipos de medicamentos em uma caixinha apropriada
e na visita seguinte do vendedor, geralmente com freqüência
variando entre uma e duas vezes ao ano, pagava-se apenas pelo
que havia consumido e o recipiente era reabastecido.
Esse
sistema foi inventado em Toyama e fez muito sucesso, porque antigamente
o interior do país e as zonas rurais ficavam completamente
isoladas das cidades e os vendedores, chamados Baiyaku, eram tidos
como grandes benfeitores. Além de levar os remédios,
difíceis de serem adquiridos de outro modo, também
desempenhavam funções agregadas, como médicos,
por exemplo. Apesar de esta função estar diretamente
ligada ao seu ofício, outras aconteciam até mesmo
de forma involuntária. Se hoje os meios de comunicação
transmitem informações para o mundo inteiro instantaneamente,
naquela época eram os Baiyaku que levavam as notícias
de uma região para outra, e eram aguardados com grande
ansiedade. Eles também promoviam o intercâmbio cultural
repassando novas técnicas agrícolas, de artesanato
e arte popular que aprendiam em outros locais. Às vezes
até funcionavam como santos casamenteiros, apresentando
candidatos ao matrimônio de um para outro vilarejo. As crianças
também os adoravam, porque eles sempre distribuíam
brindes e presentes.
Os
Baiyaku hoje
Desde
o período Edo (1603 - 1868) o governo de Toyama promoveu
a indústria de remédio como uma importante fonte
de renda para a região, chegando a manter cursos para a
formação de Baiyaku, no qual se ensinava a ler,
escrever, fazer contas utilizando ábaco e também
farmacologia, pois eram os próprios vendedores que preparavam
os medicamentos, adquirindo os ingredientes e depois misturando-os
conforme a fórmula prescrita. No fim do período
Edo existiam 2,3 mil Baiyaku em todo o Japão.
No
período Meiji (1868~1912), houve uma perseguição
por parte do governo nacional a essa indústria, pois a
palavra de ordem era ocidentalizar o país, e essa maneira
de produzir remédios naturais foi desprezada. Porém,
a força da tradição prevaleceu e, posteriormente,
o consumo aumentou mais ainda com a construção de
fábricas observando as exigências e leis da nova
era. No início do período Showa (1926~1989), os
Baiyaku somavam 12 mil pessoas.
Atualmente,
com uma farmácia em cada esquina, o sistema Toyama no Kusuri-uri
foi praticamente extinto no resto do país, mas na cidade
de Toyama ainda se pode contar 50 fabricantes desses medicamentos.
Em toda a província existem 4 mil Baiyaku em atividade,
o ábaco e fichários foram substituídos pelo
computador, mas a maneira de visitação e venda continua
igual aos tempos de Maeda.
Remédios
e comidas naturais
Pratos feitos com ingredientes naturais considerados
medicinais no restaurante da Ikedaya Yasubee Shouten
Uma
das fabricantes de remédio mais tradicionais de Toyama
mantém uma loja bem no centro da cidade, a Ikedaya Yasubee
Shouten. Além da comercialização de chás
e medicamentos, no segundo andar do estabelecimento funciona um
restaurante e cafeteria que oferece, além de vários
tipos de chás, doces e comidas com ingredientes naturais
e preparados com plantas medicinais. Ali também se pode
ver um funcionário fazendo demonstração da
fabricação de remédios. (Colaborou Satomi
Shimogo)
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