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Caderno Budismo

O soar do sino...
“Deixemos ecoar o belo som de nossa compaixão e a pureza de nossos corações para onde o vento puder levar”
Foto: Divulgação

O toque de despertar em templos Zen, onde há monges em treinamento praticando ascese, normalmente é às 3 ou 4 horas da manhã. Ao despertarem, logo se dirigem ao zazen-do (sala de meditação) para praticarem zazen (meditação Zen) por cerca de uma hora. Ainda sem a claridade do alvorecer que está por vir, no interior do zazen-do paira uma quietude serena como se não houvesse uma alma viva sequer, apesar de estarem tantas nesse ambiente. Vez ou outra, escuta-se o estalido do golpe do kyôsaku (vara doutrinária) sobre algum ombro, rasgando o silêncio, despertando corpo e mente que vão sendo arrastados para um vácuo no profundo silêncio.

Durante o zazen, do campanário ecoam os toques do sino... fortes ou fracos, lentos ou rápidos, as 108 badaladas preenchem todo o ambiente. Há aqueles que sabem tocar muito bem, assim como há aqueles que não o sabem. Dependendo das condições climáticas, também, há dias em que o som ecoa límpido, assim como há dias que soa opaco.

Numa certa manhã fria de inverno, no Templo Ryôkai-in, o abade Ekidô (que futuramente se tornou o Sumo Prelado do Templo Matriz Zen Sojiji) praticava o zazen matinal juntamente com todos os outros monges. Ao ouvir o som do sino que ecoava por todo templo, foi tomado por uma sensação que jamais tinha experimentado. Pensava consigo: “Que estranho... estou tão acostumado a ouvir estes sinos e, especialmente esta manhã, sinto um rigor ecoar profundamente por toda minha essência”. Ao terminar a sessão, retornou aos seus aposentos e ordenou a seu auxiliar que trouxesse à sua presença o responsável pelo toque do sino matinal. Qual não foi sua surpresa ao se deparar com um jovem noviço. “Então, foi você quem tocou os sinos esta manhã, não!?”, perguntou o mestre. “Sim, hoje foi a primeira vez que o pude tocar”, respondeu o jovem receosamente, imaginando que seria advertido. O mestre, então, o tranqüiliza dizendo: “Não o mandei chamar aqui por você ter tocado o sino de forma ruim, mas para lhe perguntar com que sentimento e postura você fez ressoar o sino”. Então, humildemente, o jovem explicou: “Como era minha primeira vez, conscientemente queria, a cada toque, poder ouvir a voz de sabedoria de Buda... a cada toque juntava as mãos e fazia uma reverência em gratidão por poder estar lá naquele momento e naquela função. A cada toque segurava firmemente a baqueta para deixar fluir toda essência búdica em mim resguardada. Desejei poder sempre tocar com isto em mente. Queria colocar em prática exatamente como meu mestre havia me ensinado”.

Admirado, Ekidô elogiou o jovem noviço por sua postura dedicada e correta e o motivou a continuar sua prática sem nunca esquecer esses sentimentos tão puros e singelos. Desde então, nos 18 anos seguintes, esse noviço foi o acompanhante de Ekidô e, mais tarde, se foi nomeado prelado da sexagésima quarta sucessão.

O sentimento das pessoas não são expressas somente pela feição ou postura. A voz que ressoa de nossa boca, a letra que escrevemos, um desenho que pintamos, o som de um instrumento que tocamos, assim como o som do sino que tocamos, tudo expressa nosso sentimento, cada qual de maneira única e verdadeira. Deixemos ecoar o belo som de nossa compaixão e a pureza de nossos corações para onde o vento puder levar.

A viagem

Nossa vida é nada mais que uma longa viagem com ponto de partida e ponto de chegada. No trajeto, nos deparamos com inúmeras situações e pessoas que nos acrescentam algo, compartilhando sua sabedoria e experiência, os mestres de nossa vida. Entretanto, neste mesmo trajeto, há aqueles que cruzam nossos caminhos de forma negativa, afaste-se destes. O ser humano se torna um verdadeiro ser humano no encontro das águas... no encontro das emoções.


Créditos:
O texto é uma compilação da coletânea de Shunmyo Sato, comentado por seu discípulo, bispo Dosho Saikawa, superintendente da Sotoshu na América do Sul e abade da Comunidade Budista Soto Zenshu da América do Sul, Templo Busshinji. Tradução de Cristina Izumi Sagara.
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