SACRIFÍCIO - Por suas atitudes, Asano e os 47 samurais
foram punidos com o seppuku
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Fotos:
Divulgação / Arquivo NB
No Japão, sempre no mês de dezembro, o tema Chushingura
volta à cena nos teatros e na televisão. Esta
obra, criada com base no fato histórico real ocorrido
durante a Era Edo (16031867), foi amada e apoiada por
muitas pessoas durante mais de 300 anos até hoje como
sendo uma obra que representa o espírito e a visão
de ética dos japoneses.
O
que é Chushingura?
O enredo de Chushingura tem como base dois incidentes ocorridos
entre 1701 e 1702. O estopim foi a ocorrência, em março
de 1701, da investida de Asano Takuminokami Naganori contra
Kira Kozukenosuke Yoshinaka, na tentativa de golpeá-lo
a espada nas dependências do Castelo de Edo. Na época,
havia o costume de se enviar mensageiros dos xoguns a Quioto
para se dirigirem ao palácio governamental, a fim de
levar os cumprimentos pelo ano-novo. Kira foi destacado como
o mensageiro naquele ano, e Asano recebeu a missão de
recepcionar os mensageiros vindos do palácio governamental.
Há versões de que Kira teria praticado inúmeros
atos de ofensa contra Asano com relação a esta
missão, o que teria provocado o ódio que o levou
a tal tentativa, mas não há nada que confirme
o fato. Kira safou-se apenas com ferimentos leves, e Asano foi
condenado à imediata prática de seppuku (matar-se
cortando o próprio abdome). Com isso, Asano Takuminokami
viu-se obrigado a dar cabo da própria vida com apenas
35 anos de idade, e o seu sentimento de inconformação
ficou expresso no seguinte poema, que ele deixou antes de praticar
o seppuku: Se é uma pena ver as flores de cerejeira
caírem ao vento; o que posso fazer com o ressentimento
ainda maior que guardo ao meu peito.
No
dia seguinte ao seppuku de Asano Takuminokami, ficou decidido
que o Castelo de Akô (província de Hyogo), que
estava sob seu poder, seria tomado pelo governo feudal de Edo.
Na sociedade da época, havia o costume de que, em casos
de brigas, ambos os lados seriam castigados. Entretanto, no
caso deste ocorrido, o único condenado foi Asano. Isto
se explica pelo fato de que era proibido sacar a espada no interior
do Castelo de Edo. Assim, Kira, por não ter tocado na
espada, não foi condenado. As duras medidas tomadas pelo
governo feudal, ou seja, seppuku do senhor, confisco da propriedade,
com o agravante da injustiça de ter sido Asano unilateralmente
punido, provocaram insatisfações por parte dos
súditos de Asano, que mais tarde tomaram o rumo da vingança.
Oishi
Kuranosuke, conselheiro titular de Asano Takuminokami, solicitou
ao governo feudal a condenação de Kira e a restauração
do feudo de Asano, o que foi indeferido. Muitos dos vassalos
afastaram-se de Oishi, mas, juntamente com 46 dos súditos
que continuaram a segui-lo por lealdade, Oishi decidiu invadir
a residência de Kira. Em dezembro de 1702, um ano e 9
meses após a morte de Asano Takuminokami, os seus súditos,
liderados por Oishi Kuranosuke, atacaram a residência
de Kira, decapitando-o, e dessa forma, concretizando a vingança.
Depois disso, os 47 ronin entregam-se ao xogun e, como haviam
violado leis fundamentais do regime, poucos meses depois, receberam
a ordem de praticar o seppuku, acatada por todos, sem hesitação.
O
prestígio de Kanadehon Chushingura e O último
samurai
Com base nestas duas ocorrências em Akô, foi criada
a peça Kanadehon Chushingura no estilo ningyo joruri
(teatro de bonecos com narração dramática
cantada, acompanhada pelo shamisen, tradicional instrumento
de cordas). Esta peça é muito apreciada pelos
japoneses até hoje, tanto é que, todo ano, quando
chega dezembro, mês em que os 47 súditos realizaram
a ação, o drama volta à televisão.
Qual a razão dessa obra ser tão amada pelos japoneses?
Seu enredo não é exatamente igual à realidade
histórica, mas o que atrai os japoneses são as
formas de viver como o orgulho de ser um bushi (guerreiro),
a lealdade a ponto de oferecer a vida e executar
um objetivo em grupo, sob o comando de um exímio líder,
vistas nas atitudes dos 47 vassalos. Também o conteúdo
apela para um sentimento peculiar dos japoneses, que é
a compaixão pelos mais fracos. Esses sentimentos
devem ter algo em comum com as emoções e as compaixões
experimentadas por aqueles que assistiram ao filme O último
samurai, que fez grande sucesso no início deste ano nos
Estados Unidos e também no Brasil.