Fotos:
Divulgação / Arquivo NB
No Japão, o dia 11 de janeiro é celebrado como
o dia de kagamibiraki, a tradição de partir e
comer o kagamimochi, uma oferenda a Deus, durante a passagem
para o ano-novo. O kagamimochi pode ser encontrado nas lojas
que comercializam produtos japoneses em São Paulo. Além
de representar uma oferenda, como sinal de agradecimento por
ter passado um bom ano, e servir de enfeite por ser bastante
decorativo, ele também é consumido. Isso porque
acredita-se que, ao ingerir algo que pertenceu a Deus, o homem
recebe a sua força. Entretanto, ultimamente tem se alertado
sobre o risco de consumir o kagamimochi muito tempo depois de
seu preparo.
Kagamimochi,
alimento sagrado que traz boa sorte
Desde tempos antigos, o moti é um alimento indispensável
nas festividades, por seu significado estar associado ao sagrado.
No Japão, acredita-se que uma divindade habita os pés
de arroz; dessa forma, o moti, que é uma forma compacta
de seus grãos, representa uma condensação
do poder divino. Referências sobre o moti e o kagamimochi
constam, respectivamente, no Kojiki (Registro de fatos antigos),
escritura da Era Nara (710 d.C.~784 d.C.), e na obra literária
Genji Monogatari (Contos de Genji), escrita na Era Heian (794
d.C.~1192 d.C.).
O
formato arredondado do kagamimochi remete ao sagrado e à
atração da boa sorte, uma vez que se assemelha
ao espelho (kagami) daí a origem do nome
que, na Antiguidade, representava a moradia de Deus. A forma
redonda representa também a harmonia e a pureza. Os enfeites
colocados sobre os motis possuem, por sua vez, os seguintes
significados: camarão = longevidade (viver até
que se envergue a coluna), alga konbu = som similar a yorokobu
(sentir-se feliz) e a laranja = prosperidade da família,
simbolizada pelo fruto que cresce sem cair.
Kagamibiraki,
abrindo as portas da sorte
O kagamibiraki da forma como se conhece hoje é relativamente
recente na história do Japão, com sua prática
iniciada na era dos samurais, ou seja, na Era Edo (1603~1867).
Originariamente, o kagamibiraki acontecia no dia 20 de janeiro
(tradição ainda respeitada nos dias de hoje em
algumas regiões), porém, em respeito ao falecimento
do terceiro xogum da Era Edo, Iemitsu Tokugawa, ocorrido no
dia 20 de abril, a data foi transferida para o dia 11 de janeiro.
De acordo com a região, a data pode variar. Em Quioto,
por exemplo, a cerimônia acontece no dia 4 de janeiro.
Para
comer o moti no dia do kagamibiraki, é preciso parti-lo.
Entretanto, como o ato de cortá-lo com a faca remete
ao seppuku (suicídio em defesa da honra, cortando o próprio
abdome), adotou-se o costume de quebrá-lo com a mão
ou com um martelo. Para expressar a idéia de abrir
as portas da sorte, utiliza-se o termo biraki (hiraki
= abertura), compondo a palavra kagamibiraki (abertura do espelho),
pois outros termos como kiru (cortar) ou waru (quebrar, despedaçar),
poderiam atrair a má sorte.
Além
de praticada nos lares do Japão, a tradição
é celebrada também em academias de kendô
e judô, juntamente com o primeiro treino do ano, quando
se ora pela saúde para o ano inteiro.
Kagamimochi
representa um risco?
Atualmente, tem se alertado sobre o risco de se comer o kagamimochi,
devido ao bolor que ele acumula, cuja proliferação
é propiciada pelo grande teor de umidade do moti recém-preparado.
Mesmo no inverno frio e seco do Japão ,
depois de uma semana de exposição, forma-se bolor
no moti.
Antigamente,
eliminava-se somente a parte embolorada e deixava-se o moti
endurecido de molho na água, consumindo-o depois de amolecido.
No entanto, descobriu-se que a variedade de bolores que se formam
nele são de 20 espécies no total. Assim, é
compreensível quando um especialista diz que consumi-lo
pode ser arriscado para o homem moderno, que tem pouca resistência.
Limpar bem o moti com saquê ou shôchû (espécies
de aguardente) ou mergulhá-lo em água antes de
formar o bolor, trocando o líquido diariamente, são
as soluções para evitar que a iguaria embolore.
No Japão moderno, para receber este alimento que pertenceu
a Deus, a solução é esterilizá-lo
antes. No Brasil, onde o ano-novo é festejado em pleno
verão, seria prudente não esperar até o
dia de kagamibiraki para consumi-lo.