Uma das manifestações que mais sensibiliza
um colunista, cronista ou qualquer outro escrevinhador
que disponha de um espaço em alguma mídia, é
a possibilidade de interação com o leitor. Esse contato,
de aprovação ou não, de elogio ou crítica,
ou mesmo que seja para tirar uma dúvida, não importa,
é um indicativo de que a mensagem foi recebida, foi processada
e teve, quase sempre, na pior das hipóteses, a benevolência
do leitor.
A cronista Martha Medeiros já dizia que a
sua maior satisfação é quando o leitor entra
na mesma sintonia do texto, a ponto de confessar que o que ela escreveu,
de alguma forma teve influência num momento delicado de sua
vida, mostrando como o colunista tem o poder de, mesmo à
distância, interagir com o íntimo de quem lhe é
estranho até esse momento.
Sem ter essa pretensão e poder, há
poucos dias fui brindado com o contato de uma leitora, que através
de um longo e-mail, se apresentou como uma nikkei, que
há mais de 20 anos deixou o Brasil para buscar a redenção
financeira no Japão, como fizeram centenas de outros brasileiros
naquela época. A sua trajetória se assemelha à
de muitas outras que ocorreram dentro do fenômeno de migração
denominado dekasseguis. Com o destaque que, a dessa
leitora, foi admirável, um verdadeiro exemplo de estoicismo,
envolvendo dificuldades mil, preconceitos, desafios, sacrifícios
e superação. Hoje, ela é praticamente uma cidadã
japonesa, constituiu nova família, teve filhos, tem situação
financeira estável e, por tudo isso, decidiu por não
mais retornar ao Brasil.
O drama pela qual passou essa leitora me fez refletir
um pouco sobre esse fenômeno da migração de
nikkeis brasileiros ao Japão, denominado dekasseguis,
e os estragos que ele provocou no seio de algumas famílias,
cujo chefe do clã e , em muitos casos, até a esposa
e filhos, tiveram que deixar o Brasil para buscar no Japão
a tábua de salvação para os graves problemas
financeiros que os afligiam , em decorrência do desemprego.
Laços de família, como bem definiu Clarice Lispector,
foram quebrados e ruiu a harmonia social que predominava no grupo
familiar dos nipônicos.
Sempre considerei a família como peça
fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, com a sua
função de proteção e socialização
de seus membros, gerador de afeto, segurança, estabilidade
e de autoridade. Tomava como exemplo o ambiente familiar e a educação
recebidos de meus pais, imigrantes japoneses que para cá
vieram há mais de 80 anos. Humildes, lavradores, sem estudo,
mas pessoas dignas, honestas e lutadoras, sacrificaram-se para que
os filhos pudessem desfrutar de um futuro melhor, investindo incansavelmente
na educação. E, nem escola eles puderam frequentar.
Mesmo assim, sabiam o que era o certo e necessário: os filhos
teriam que cursar faculdade, teriam que ser doutores.
O resultado é que todos os cinco filhos conseguiram
se graduar em escola superior, cada qual em uma especialidade e,
a maioria em universidades públicas, as mais valorizadas
naquela época. Para meus pais, isto foi a concretização
de um sonho e de uma missão. Contribuiu para isso a unidade
familiar que sempre existiu, apesar das imensas dificuldades que
eles enfrentaram. Eles conseguiram manter incólume a estrutura
familiar, sem que tivesse havido qualquer cisão em seu meio.
Até hoje mantém-se essa característica, de
harmonia e convivência, agora sem a presença do pai,
já falecido, mas em contrapartida, com a participação
de novos membros, os filhos, noras e netos.
Sem querer entrar no mérito e nem aprofundar
na análise sociológica do fenômeno dekassegui,
consideramos a ocorrência da desagregação familiar,
como o lado negativo e triste desse movimento. Com a ausência
do chefe da família e em muitos casos, da própria
esposa, motivada pela necessidade de ir trabalhar no Japão,
evidencia-se a separação do núcleo familiar.
Os filhos, menores, permanecem aqui, sob a guarda dos avós
ou dos tios e parentes. A longa permanência do cônjuge,
a separação física e o distanciamento, provocam
a ruptura dos laços familiares. E aí surgem a separação,
o divórcio e até o abandono, provocando o desmoronamento
de toda uma estrutura familiar. Crianças problemáticas,
adolescentes rebeldes, cônjuges que constituíram outras
famílias, são algumas das consequências lamentáveis
que ocorreram em função desse fenômeno social.
É o doloroso preço que muitas famílias
tiveram que pagar. Mas, existem aquelas que tiveram um final feliz,
como o caso da valorosa leitora citada no preâmbulo deste
texto.
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