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Matsuo Bashô (1644-1694) |
tabi
ni yande
yume wa kareno o
kakemeguru
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Tradução:
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Doente da viagem,
Meus sonhos perambulam
Pelo campo seco.
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Aos 50 anos de idade, Bashô foi acometido por uma enfermidade intestinal
aguda, vindo a falecer em Osaka. Este poema foi composto no leito, poucos
dias antes de sua morte, anotado por um de seus estudantes e considerado
seu último trabalho. Ainda que o corpo permaneça preso pela
doença, os sonhos são livres e podem levar a qualquer lugar.
O haicai descreve o sentimento de solidão e desamparo de um homem
doente durante sua última viagem. Não é o poema de
uma mente tranqüila. É um pouco triste, transmitindo a sensação
de alguém ofegante, procurando respirar. A vida de Bashô
foi dedicada ao haicai e às viagens. Até em sonhos ele se
via vagando em busca de algo e sabia muito bem que sua obsessão
era um tipo de apego condenável pelo budismo. Sabedor de que a
morte era próxima, fez da imagem de um viajante atravessando um
campo ressecado pelo frio o símbolo de sua vida inteira. Essa imagem
é apresentada de forma simples e poderosa. O kigo (termo de estação)
é kareno (campo seco) e a estação é inverno.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
nozarashi
o
kokoro ni kaze no
shimu mi kana
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Tradução:
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No pensamento
Um esqueleto abandonado
Arrepios ao vento.
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Este haicai foi escrito em 1684, como parte do primeiro diário
de viagem de Bashô, Nozarashi kikô (Diário de um esqueleto
abandonado ao tempo). Especialmente após o falecimento de sua mãe
e, meses antes, o incêndio que destruiu sua cabana, Bashô
convenceu-se de que nada é permanente na vida e que, sendo assim,
o homem é um eterno viajante em sua passagem pela terra. Por causa
disso, Bashô começou a empreender viagens pelo interior do
Japão, com o propósito de se fortalecer espiritualmente.
Neste haicai, o poeta mostra sua firme disposição de partir,
ainda que esteja consciente dos perigos da jornada, como o de eventualmente
morrer no caminho, por causa de alguma doença ou um ataque de bandidos,
vendo seu corpo se transformar, por fim, num esqueleto abandonado à
beira da estrada. Ao pensar em tudo isso, o vento de outono que ora sopra
parece penetrar na pele, provocando arrepios. O kigo (termo de estação)
é shimu mi ou mi ni shimu, literalmente penetrar no corpo,
que se refere à sensação vivida à medida que
o outono se aprofunda e o frio torna-se mais forte.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
shiragiku
no
me ni tatete miru
chiri mo nashi
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Tradução:
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Crisântemo branco
Sequer um grão de poeira
Ao alcance dos olhos.
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Versos de abertura (hokku) de uma sessão de kasen (seqüência
de 36 estrofes) realizada na casa de Sonome (1664-1716), discípula
de Bashô residente em Osaka. A sessão se deu em novembro
de 1693. Tradicionalmente, o hokku é uma peça de saudação,
augurando o bom andamento da sessão de poesia. Neste caso, o poema
foi dirigido à anfitriã do encontro. Bashô provavelmente
viu a flor e, atraído por sua branca pureza, examinou-a cuidadosamente,
não conseguindo encontrar sequer um ponto de sujeira. Claramente,
Bashô fez um contraponto ao waka de Saigyô (11181190),
que diz: Sobre o espelho/Tão límpido e brilhante/
Um simples grão de poeira/ Salta aos olhos./ Assim é o mundo.
Trocando espelho por crisântemo branco,
os versos resultantes exaltam os sentimentos puros e a refinada elegância
de Sonome. É um poema simples, mas que faz parecer que não
existe nada no mundo além de um crisântemo branco. Sonome
respondeu com os seguintes versos: Jogo água sobre as folhas
do momiji (bordo)./ No céu, a lua matinal.. O kigo (termo
de estação) é shiragiku (crisântemo branco)
e a estação é outono.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
toshidoshi
ya
saru ni kisetaru
saru no men
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Tradução:
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Os anos se passam
Uma máscara de macaco
Veste o macaco.
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Em 1693, um artista itinerante e seu macaco amestrado apresentam-se ao
público e daí surge a inspiração para esse
haicai. Bashô disse: pessoas comuns gostam de escrever poesia
por caminhos seguros, mas os mestres preferem se arriscar por terrenos
perigosos. Por isso, produzem muitos poemas malfeitos. Meu haicai de ano-novo
sobre o macaco é totalmente malfeito. O autor lamentava não
ter conseguido imprimir a transformação poética que
desejava ao material que tinha, mas não é o que pensam seus
comentadores, para os quais o poema possibilita muitas interpretações.
Há controvérsia sobre se a máscara de macaco
seria uma máscara imitando um macaco, ou uma máscara para
o macaco, imitando um ser humano. Também há dúvidas
sobre se quem veste a máscara seria um macaco, ou um ser humano
no papel de macaco. De qualquer forma, fica clara a decepção
de Bashô ao ver como as pessoas falham em suas promessas de mudança
e renovação e permanecem as mesmas ano após ano.
Apesar de não ter palavra de estação (kigo), o tom
geral dos versos remete ao ano-novo (primavera).
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
hatsu-shigure
saru mo komino o
hoshige nari
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Tradução:
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primeira chuva de inverno
O macaco talvez queira
Uma capinha de palha.
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Haicai escrito em 1689 e publicado na antologia Sarumino, de 1691. Aqui,
pode-se imaginar um macaco, entre os galhos desfolhados de uma árvore,
encolhido sob a chuva fria do começo do inverno, sem ter onde se
esconder. A chuva de inverno (shigure), kigo deste haicai, é uma
chuva fina, repentina e passageira, que, na literatura clássica,
sempre aparece para simbolizar as idas e vindas do destino e, por conseqüência,
a precariedade da existência humana. Bashô sabe disso, mas
não está melancólico. Pelo contrário, aprecia
o momento de introspecção que lhe é proporcionado.
Dessa forma, seu haicai não vai meramente repetir uma convenção
poética, lamentando o dia triste. Ao contrário, inova ao
incluir a figura de um macaco. Esse animal, assim como o autor, parece
estar desfrutando seu solitário recolhimento. Será que não
gostaria de vestir uma capa de palha, como a de Bashô, para ficar
mais à vontade sob a chuva? Nesse momento, desaparecem as barreiras
entre o homem e o animal. Há apenas o sentimento de comunhão
com a natureza e todos os seres vivos, misteriosamente relacionados.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
hitotsuya
ni
yûjo mo netari
hagi to tsuki
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Tradução:
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Sob o mesmo teto
Dormiram as cortesãs
A lespedeza e a lua.
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Lespedeza ou hagi (Lespedeza spp.) é o nome de um arbusto de flores
lilases que, junto com a lua, constituem-se nos termos de estação
(outono) deste haicai, parte do diário de viagem Oku no hosomichi.
Aqui, trata-se do episódio em que Bashô dividiu, por uma
noite, a mesma hospedaria com duas prostitutas. Estas, lamentando seus
destinos, rogaram-lhe: Somos viajantes desamparadas completamente
estranhas a estas paragens. Deixe-nos segui-lo. Se é um monge,
como dizem suas vestes negras, tenha piedade de nós e ensina-nos
a encontrar a Salvação. Ainda que compungido, o poeta
despediu-as, dizendo: Sigam seu caminho, pois, se acreditarem firmemente,
os deuses as protegerão. Considera-se que as atrativas flores
de lespedeza e a serena lua são metáforas, respectivamente,
das prostitutas e de Bashô. Entretanto, não é uma
mera comparação intelectual. Trata-se de um exemplo do conceito
de nioi, ou fragrância: as flores na terra e a lua no alto representam
dois mundos diferentes, unidos na mesma paisagem. São o rastro
sutil que restou do encontro entre Bashô e as duas prostitutas.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
omi
shirami
uma no shito suru
makura moto
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Tradução:
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Pulgas e piolhos
E o cavalo a urinar
Ao lado da cabeceira.
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Haicai composto em 1689, como parte do diário de viagem Oku no
Hosomichi (Caminho estreito rumo ao norte, ou Sendas
de Oku, em sua versão mais famosa para o português).
Após ultrapassar o posto de fronteira de Shitomae, na atual província
de Miyagi, Bashô e seu companheiro Sora pediram pouso numa casa
do lugar. Mas, surpreendidos por uma tempestade, tiveram de permanecer
ali presos por três dias, sem muito que fazer. À noite em
seu leito, acossado por pulgas e piolhos, o poeta, sem poder dormir, pensava
na razão de um nome tão infame para o local (shito quer
dizer urina). De repente, na escuridão, percebeu de forma nítida
o familiar ruído de um cavalo urinando, possivelmente pelo costume
da região de se construir o estábulo encostado à
casa principal. Deve ser este o momento em que teve a idéia para
o poema. Angustiado por seu confinamento, Bashô aproveitou um acontecimento
totalmente inusitado para rir da situação. Ao lado do humor,
é bem forte o sabor de wabi, isto é, o sereno desfrute de
uma situação de despojamento. O kigo (termo de estação)
é nomi (pulga) e a estação é verão.
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Matsuo Bashô (1644-1694) |
tako
tsubo ya
hakanaki yume o
natsu no tsuki
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Tradução:
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O polvo num pote
Sob a lua de verão
É tão breve o sonho.
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Haicai composto em 1688, durante a observação da pesca
de polvos em Akashi, atualmente uma cidade da província de Hyogo.
Potes de barro são submersos na água à noite, presos
por cordas. Os polvos, tomando-os por abrigos seguros, neles se introduzem,
permitindo sua captura. Por outro lado, as horas de sono do verão
são curtas, tornando ainda mais efêmeros os sonhos. Será
Bashô que sonha ou é o polvo, satisfeito com a tranqüilidade
ilusória de seu pequeno mundo, ignorante do destino que o aguarda
ao amanhecer? Na tradição poética, quem normalmente
lamenta as poucas horas escuras do verão são os casais de
amantes, que devem se separar na alvorada. Ao trocar esse sentimento romântico
pela vida de um polvo, Bashô entra no campo do humor, característica
da poesia de haikai. Entretanto, não sentimos vontade de rir. Ao
contrário, somos tomados por grande compaixão pelo ser que,
ao final de seu sonho, encontrará a morte. A lua que brilha sobre
o polvo e seu pote é, afinal, a mesma que brilha sobre o homem
e sua existência, tão fugaz quanto um sonho. O kigo é
natsu no tsuki, lua de verão.
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