|
Yosa Buson (17161783) |
ono
irete
ka ni odoroku ya
fuyu kodachi
|
|
Tradução:
|
Cravando o machado
o perfume causa espanto
Ah, bosque de inverno.
|
|
O kigo (termo de estação) desse haicai é fuyu kodachi
(bosque de inverno).
Um homem adentra o bosque munido de um machado, provavelmente para buscar
lenha. Ainda que haja alguns pinheiros, que continuam verdes, mesmo sob
a neve, a maioria das árvores está sem folhas, tornando
a paisagem melancólica. Escolhido o alvo, com seus galhos secos
e mortos na aparência, alguns golpes são desferidos. Inesperadamente,
um forte perfume de madeira fresca exala do tronco e se espalha ao redor,
assustando o lenhador e lembrando que mesmo essa árvore seca abriga
vida à espera da primavera.
Esse haicai transmite a emoção do autor tal qual foi percebida,
sem uma palavra a mais ou a menos. Uma forte impressão, decorrente
de uma experiência sensorial instantânea, é assim partilhada
com o leitor.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
fuji
hitotsu
uzumi nokoshite
wakaba kana
|
|
Tradução:
|
A menos o Fuji
Tudo o mais é soterrado
pelas folhas novas!
|
|
O kigo (tema) desse haicai é wakaba (folhas novas, brotadas há
pouco tempo) e a estação é o verão.
O autor observa a paisagem do início dessa estação.
Ao olhar para cima, o que ele vê são as encostas nuas e escurecidas
do Fuji e, no alto, seu pico coberto de neve. Entretanto, ao nível
do sopé, os arredores são dominados pelos tons de verde
tenro da vegetação. É como se alguém tivesse
pintado a paisagem, esquecendo-se apenas da montanha. O que empolga Buson
é o contraste entre o repouso inabalável do Fuji e o constante
movimento das folhas novas, embaladas pelo vento ou agitadas pelas inúmeras
formas de vida que se abrigam entre elas.
Como numa pintura, nosso olhar é direcionado por uma linha diagonal
imaginária, do cimo esbranquiçado do Fuji até sua
base totalmente dominada pelo verde da vegetação jovem,
cuja cor é realçada pelo sol forte do verão.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
ekisui
ni
nebuka nagaruru
samusa kana
|
|
Tradução:
|
Corre sobre as águas
do Yishui a cebolinha
Grande calafrio.
|
|
O termo de estação (kigo) desse haicai é nebuka
(cebolinha), correspondente ao inverno. Modernamente, usa-se a palavra
negi. Largamente usada na culinária japonesa, a cebolinha é
associada a uma sensação de frio intenso, como nos famosos
versos de Bashô: Brancas cebolinhas/ Bem lavadas e arrumadas
/ Grande calafrio.
Já o haicai de Buson alude a um episódio histórico
ocorrido em 227 a.C., numa época em que a China se dividia em pequenos
reinos, sempre guerreando entre si. O príncipe Dan, do reino de
Yan, encarregou um homem chamado Jing Ke de assassinar Qin Shi Huang,
rei de Qin. Ao partir para sua missão, às margens do Rio
Yishui, Jing Ke proferiu as seguintes palavras: Sopra o vento solene
sobre o gélido Yishui. Os bravos que partem nunca mais retornarão.
De forma inusitada, a intromissão da prosaica cebolinha boiando
no rio pinta o dramático episódio com cores do presente.
E, ao mesmo tempo em que Buson dialoga com a China antiga, intensifica
a sensação de frio, ao evocar o haicai de Bashô.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
na
no hana ya
tsuki wa higashi ni
hi wa nishi ni
|
|
Tradução:
|
Ah, flores de colza!
De um lado a lua no leste,
de outro o sol no oeste,
|
|
O kigo (termo de estação) desse haicai é na no
hana, flores de colza em português. A semente da colza
já foi a principal fonte de óleo vegetal do Japão.
A estação correspondente é a primavera, quando os
campos cultivados com essa planta ficam totalmente cobertos de flores
amarelas. Para apreciar essa paisagem, os japoneses urbanos costumavam
deslocar-se para os subúrbios, onde organizavam piqueniques.
O poema pinta a vastidão de um mar de flores amarelas, ao fim
de um esplêndido dia de primavera. Além dessa cor, a única
coisa que se vê, a oeste, é o sol avermelhado afundando no
horizonte e, a leste, a lua cheia, elevando-se pálida, mas enorme.
Famoso por sua composição destacando os matizes de cor,
que lembra um quadro impressionista, esse haicai inspirou-se em um tanka
de Hitomaro (662710): Nos campos do leste,/ os raios rubros
do sol/ já se fazem ver./ Quando torno para trás/ A lua
afunda no ocaso.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
botan
chirite
uchikasanarinu
ni-san pen
|
|
Tradução:
|
Fenece a peônia
Amontoam-se no solo
Duas ou três pétalas.
|
|
O kigo (termo de estação) desse haicai é botan,
peônia em português. Apesar de originária
da China, trata-se de uma das flores mais queridas e populares do Japão.
A estação indicada é o verão.
Num dia quente, uma esplêndida peônia floresce no jardim.
Entretanto, ao olhar para baixo, outra realidade aparece. Sem vento, algumas
pétalas despencam para se juntar no chão. Na verdade, até
para essa belíssima flor, chega o momento final. Para pessoas comuns,
a cena passa despercebida. Mas Buson era um grande pintor, com o olhar
treinado. A visão das pétalas no chão, ainda com
o vívido colorido, deve tê-lo tocado profundamente.
O autor apresenta-nos um pequeno universo, onde nada mais existe senão
as pétalas da peônia. Através desse universo, oferece-nos
um registro da transitoriedade, que se expressa inexoravelmente em todos
os aspectos da natureza
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
kusu
no ne wo
shizuka ni nurasu
shigure kana
|
|
Tradução:
|
Em silêncio rega
a raiz do canforeiro
a chuva de inverno
|
|
O kigo (termo de estação) desse haicai é shigure,
chuva de inverno, fina, repentina e passageira, tema muito querido pelos
poetas clássicos.
O canforeiro é uma árvore cuja seiva dá origem à
cânfora. Tem um grosso tronco, de cuja base se sobressai a parte
exposta das raízes, que se espalha pelo terreno. Sua menção
evoca a antiguidade dos templos e santuários em cujos domínios
é encontrado. O haicai retrata esse mundo de quietude e solenidade.
Sendo início de inverno, já não passam muitas pessoas
pelo local. As sombras da grande árvore e da construção
vizinha tornam-se cada vez mais escuras.
A passagem do tempo e o envelhecimento inexorável estão
representados com precisão pela imagem da chuva de inverno que,
mesmo sendo passageira, sem o obstáculo das folhas, ultrapassa
os galhos e molha calmamente e sem alarde as raízes cobertas de
musgo do canforeiro.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
tsuki
tenshin
mazushiki machi o
toori keri
|
|
Tradução:
|
A lua no zênite
Um humilde quarteirão
eu atravessei.
|
|
É noite alta, pois a lua cheia encontra-se no ponto mais elevado
do céu. O autor caminha por uma rua afastada. À luz do dia,
trata-se de pouco mais do que um amontoado de casebres humildes, por onde
circulam seus habitantes, na agitação de suas tarefas. No
meio da noite, porém, a lua irradia, generosamente, seu lume sobre
os telhados. Mergulhado em silêncio, o local ganha uma aparência
de inesperada beleza.
Buson compôs esse haicai tomando por base um poema do chinês
Shao Yong (10111077): Quando a lua alcança o zênite/
E o vento alisa as águas/ O frescor da noite se faz sentir/ Mas
tão poucos podem apreciá-lo. Buson foi também
um grande artista e o espírito do haicai é o mesmo de uma
pintura.
O kigo (termo de estação) é tsuki (lua), que, no
haicai, simboliza o outono. Quando não há outros qualificativos,
entende-se que se trata da lua cheia.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
toba-dono
e
go-rokki isogu
nowaki kana
|
|
Tradução:
|
No rumo de Toba
urgem cinco ou seis cavaleiros
Vendaval de outono.
|
|
Buson imaginou esse haicai influenciado pela leitura de Hôgen
Monogatari (História da Rebelião de Hôgen), que narra
os conturbados acontecimentos do século XII, envolvendo o imperador
Toba e seus sucessores Sutoku e Go-Shirakawa.
Ao entardecer, em meio ao sinistro uivar do vendaval de outono, ouve-se
um som de galope. Cinco ou seis samurais em trajes de guerra precipitam-se
na direção do Palácio de Toba, em Quioto, que abriga
o imperador. Que graves conspirações estarão em curso?
Esse haicai é admirado, em seu original, pela vivacidade com que,
a partir de um empréstimo da literatura, descreve uma cena vívida
e dramática, reconstruindo uma atmosfera de urgência e gravidade.
Dentre os haicais de Buson, muitos, como este, são imaginários,
inspirados em motivos medievais, ou mesmo chineses. O kigo (termo de estação)
deste haicai é nowaki, vendaval de outono.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
haru
no umi
hinemosu notari
notari kana
|
|
Tradução:
|
Mar de primavera
Sempre igual, o dia inteiro,
num manso vai-e-vem
|
|
O mar de primavera (haru no umi) é representado por águas
calmas e luminosas, alisadas por ventos mornos e gentis, no seio das quais
a vida marinha se torna mais ativa, despertando do sono hibernal. Dias
escuros e tormentosos podem ocorrer mesmo na primavera, mas a essência
deste kigo (termo de estação) já está delineada
para todos os poetas.
Esse haicai é tomado do ponto de vista de alguém que vê
o mar quebrar calmamente numa enseada. Difícil de traduzir, tem
seu segredo no advérbio notari, que significa lentamente ou mansamente.
À maneira de uma onomatopéia visual, a sonoridade duplicada
dessa palavra traduz o tranqüilo movimento de vai-e-vem das ondas,
expressando as sensações de um dia de primavera à
beira-mar. Também a sonoridade da expressão hinemosu (o
dia inteiro) contribui para a fluidez do poema.
Trata-se, talvez, da composição mais conhecidas de Buson.
|
|
|
Yosa Buson (17161783) |
yanagi
chiri
shimizu kare
ishi tokoro doko
|
|
Tradução:
|
O regato seca
E o salgueiro perde as folhas
Pedras aqui e ali
|
|
O kigo (termo de estação) desse haicai é yanagi
chiri, a queda das folhas do salgueiro, que ocorre no outono.
O haicai refere-se ao famoso salgueiro de Yûgyô, localizado
em Ashino, atualmente na província de Tochigi. O monge-poeta Saigyô
(11181190) escreveu sobre ele um tanka: Ao longo do caminho,/
às margens de um límpido regato,/ a sombra do salgueiro./
Pensava num breve repouso,/ mas de lá não mais saí.
A partir disso, esse salgueiro transformou-se em lugar de peregrinação
poética, sendo cantado em uma peça de teatro Nô e
até num haicai de Bashô.
Buson retrata um cenário de fim de outono: o regato de águas
límpidas está quase seco, deixando entrever as pedras do
fundo. E o salgueiro, que, no verão, tinha uma folhagem luxuriante,
adquire uma aparência miserável, estampando o efeito inexorável
da passagem do tempo. Embora seja uma descrição objetiva,
sua construção lembra um poema chinês
|
|
|