Tabuleiro
de shogui
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(Arquivo
Jornal NippoBrasil)
A
cena não é rara: aposentados reunidos ao redor de
uma mesa, dois deles mais concentrados, atentos a um tabuleiro
que os faz adversários; outros, de pé, mais descontraídos,
dando palpite, apostando no vencedor. Alguns fumam freneticamente,
falam alto, discutem, contestam o resultado do jogo, enquanto
os mais tranqüilos se calam e refletem sobre a próxima
jogada. Grupos assim ocupam praças e casas de todo o Brasil
e as transformam em verdadeiros salões de jogos, onde o
que mais se vê são partidas de tranca, dominó,
truco e xadrez. Japoneses aqui no Brasil também participam
de encontros deste tipo, mas os jogos são outros: o shogui
e o gô.
Passamos
as tardes jogando, do meio-dia até depois das sete da noite.
Somos aposentados, e essa é uma forma de passar o tempo
e se distrair, explica Massaharu Inoue, que joga shogui
desde os 15 anos. Ele freqüenta diariamente a Associação
Brasileira de Shogui, no bairro da Liberdade, em São Paulo.
Lá, fez amigos e companheiros de jogo, senhores
que, apesar da aparência austera, mostram-se sempre dispostos
a ensinar aos novatos as regras e macetes do jogo. A gente
ensina, disputa, toma uma bebidinha, come um amendoim...é
divertido, brinca.
Ausência
de mulheres
A
associação, segundo seu presidente, Hiroshi Utsumi,
foi fundada por japoneses, em 1948, e conta com cerca de 120 sócios,
em geral com mais de 60 anos, poucos jovens, somente seis ocidentais
e nenhuma mulher. Não que haja machismo contra elas. A
associação está aberta para qualquer pessoa,
de qualquer idade, sexo ou raça, garante o presidente.
Para freqüentá-la basta pagar uma anuidade de R$ 140.
Kazuo
Abe, jogador associado, interrompe seu jogo para justificar a
ausência de senhoras. As mulheres também podem
jogar, mas isso é raro. O shogui é muito difícil
de aprender, elas ficam cuidando da casa e não prestam
atenção no jogo. Pela dificuldade, as mulheres acabam
não se interessando muito, explica, quase sem preconceitos.
Abe relembra sua infância no Japão para falar dos
primeiros contatos com o jogo. Lá, quando chove,
não dá para trabalhar na roça e não
há nada para fazer. Então, os homens se distraem
jogando. Aprendi o shogui observando meu pai, num desses dias
chuvosos, conta.
GÔ:
Aprendizado em duas horas
Ohara,
o grande mestre de gô, segundo seus parceiros: Com
atenção, é possível aprender
em até duas horas
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Além
do shogui, a associação abre seu espaço para
a prática de xadrês e gô. Este último,
entretanto, tem um lugar reservado na Fundação Japonesa
de Gô (Nihon Ki-In), que promove campeonatos regionais,
nacionais e até internacionais.
Katsushigue
Ohara, 68 anos, é apontado pelos parceiros como um importante
mestre do gô em São Paulo. Segundo ele, com bastante
atenção, é possível aprender a jogar
em até duas horas. Eu aprendi aos 5 anos de idade,
sem querer, só observando os outros, conta. Ele explica
que no Brasil não há jogadores profissionais de
gô e shogui. No Japão, há cerca de mil profissionais,
e na China, berço desses jogos, aproximadamente 3 mil.
Para
estas pessoas, os esportes representam muito mais que lazer. Jogando,
eles celebram a cultura japonesa, confraternizam com amigos, e
fazem do tempo vago um momento para exercitar a mente.
Hissao
Uyama, praticante de ambos os jogos, explica que a atividade é
boa para deixar a cabeça funcionando bem, pois exige
muito raciocínio. Shogui e gô não são
jogos de azar, como o hanafuda (veja quadro à direita)
ou o pôquer, mas de estratégia. Tem que pensar muito
antes de cada jogada, finaliza.
O
shogui
Praticado
por mais de 20 milhões de pessoas no Japão (de forma
amadora), é um jogo de estratégia, que tem como
objetivo capturar o rei do adversário, numa espécie
de variação japonesa do xadrez. Acredita-se que
tenha sua origem no chaturanga, praticado na Índia por
volta de 3 mil a.C., depois modificado e levado para o Japão
pela China por volta do século 8. Somente 600 anos depois,
ele adquiriu a forma atual. A principal diferença entre
o shogui e o xadrez é que os jogadores podem reutilizar
as peças capturadas dos oponentes.
É muito difícil de aprender, afirma Kazuo
Abe
O
gô
A
partir de elementos simples como conchas e pedras, o jogo se desenvolveu
com crescente popularidade por mais de 40 séculos. Originou-se
na China há 4 mil anos e foi levado para o Japão
há 1.300 anos, sendo praticado inicialmente só pela
aristocracia.
É
disputado entre duas pessoas e tem como objetivo a conquista de
territórios representados pelas 361 interseções
das linhas. O jogo termina quando se esgotam as possibilidades
de variações. Vence quem conquista mais territórios.
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Hanafuda,
o jogo que deu nome à máfia, e majan
Majan:
tipo de dominó introduzido no Japão na década de 20
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O majan
faz lembrar o dominó. É jogado por quatro pessoas
com 136 peças, com símbolos e ideogramas que as
identificam. No começo do jogo, cada um tem 13 peças,
as outras são dispostas no centro do tabuleiro, viradas
para baixo. Os jogadores se revezam retirando e descartando peças,
tentando formar combinações nas suas mãos.
Ganha quem conseguir combinar seu jogo primeiro. Foi introduzido
no Japão na década de 20, por japoneses que retornaram
da China ou dos Estados Unidos, sendo, portanto, pouco praticado
no Brasil.
O hanafuda
é um jogo de azar, com apostas em dinheiro. Por isso é
proibido que seja jogado em público e que se criem associações,
ficando sua prática reduzida ao âmbito doméstico.
Algumas pistas levaram a reportagem até alguns jogadores
inclusive mulheres , mas eles se recusaram a dar
entrevistas ou vincular seu nome ao jogo.
Neste
jogo de cartas, perde quem terminar com uma combinação
equivalente a 20 pontos uma seqüência de oito,
nove e três. Este seria um lance tão ruim, que se
costuma chama-lo de porco. Em japonês, a pronúncia
destes números é Ya Ku Za, expressão
que começou a ser usada como gíria pelas primeiras
quadrilhas de mafiosos para designar algo inútil. O termo
se popularizou, passando a significar o que é imprestável,
como a máfia japonesa Yakuza.
Hanafuda, jogo de cartas no qual perde quem terminar com uma combinação
de 20 pontos
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