Helena
Deyama é uma das mais experientes pilotos do off-road (fora
de estrada) brasileiro e, diferente do que ocorre com a maioria
das mulheres que competem incentivadas por pais, maridos e namorados
corredores, entrou no meio por iniciativa própria.
De
aparência frágil, a nikkei já foi comparada
muitas vezes a uma bonequinha de porcelana, mas atrás de
um volante mostra que é mesmo uma fera. Dona de vários
títulos, Helena foi vice-campeã do Rally dos Sertões,
a maior prova do gênero na América Latina, na categoria
Marathon, e é tricampeã do tradicional Raid do Batom,
realizado em comemoração ao Dia Internacional da
Mulher.
Às
vésperas de disputar novamente a prova, em busca do tetracampeonato,
a designer gráfica falou sobre esporte, carreira, família,
filhos e sonhos.
Como
surgiu seu interesse por carros e corridas?
Comecei a trabalhar aos 17 anos só para poder comprar minha
moto. Meu pai não ia me dar uma moto, lógico!!!!
Ele dizia que era loucura. Assim, quando completei 18 anos, comprei
minha moto e comecei a andar na terra, fazer trilhas. Mas acontece
que eu sou muito pequenininha, muito baixinha e tinha problemas.
Caí muitas vezes porque não alcançava os
pés no chão. Em 95, comprei um jipe, encostei a
moto e comecei a fazer trilha de jipe.
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Sua
paixão não é só por dirigir, mas pelo
off-road, não é mesmo?
A minha paixão nasceu do gosto pela aventura e pelo
contato direto com a natureza, pelo fato de poder chegar a lugares
pouco explorados e de difícil acesso. Já fiz várias
viagens e expedições de até 10 mil quilômetros,
nos lugares mais interessantes do Brasil, como Lençóis
Maranhenses, Pantanal, Chapada Diamantina e Deserto do Jalapão,
entre outros. Algumas vezes fui em grupos, outras totalmente sozinha,
eu e meu jipe.
E
as competições?
Foi meio por acaso. Logo que comprei meu primeiro jipe, em
95, um amigo me chamou para uma competição, para
um raid, que é uma competição de obstáculos,
de regularidade. Na época nem sabia como era, mas tiramos
o primeiro lugar logo na primeira prova. Em 99 consegui comprar
um Troller, porque eu sonhava participar de um rally de velocidade,
que é uma modalidade bem mais perigosa que o raid e exige
mais técnica de pilotagem. O gosto pelas competições
foi crescendo e hoje é o objetivo mais importante na minha
vida.
Vai
dar o tetra este ano no Raid do Batom?
Algo me diz que sim! Acho que você tem que ser otimista,
mas também não se pode cantar vitória antes,
porque uma prova dessas não depende só da sua competência,
depende também da sorte. A largada, por exemplo, é
decidida por sorteio. Apesar disso, só a largada não
define a prova. Pode ser que o primeiro carro caia num atoleiro
e você que vinha lá atrás acabe passando,
vamos ver...
Como
consegue manter esse esporte que é tão caro?
Como sou independente, tenho de trabalhar muito para ter
recursos. A maior parte eu banco. Além disso, tento obter
patrocínios junto a empresas. São muitas reuniões,
muito trabalho de bastidores para correr. O Rally dos Sertões,
por exemplo, tem um custo altíssimo. São dez dias
de prova e, tirando o carro, ainda há um gasto de 70 mil
reais. No exterior, o rally é um esporte mais profissional,
os pilotos só fazem isso. No Brasil é muito difícil.
Acho que tem uns cinco pilotos que conseguem.
Como
você se prepara para as provas?
Saio todos os dias às 7h da manhã de casa e
vou para academia treinar. Faço musculação
e natação. Em alguns rallys você dirige oito,
dez horas por dia, com capacete, passando calor e comendo poeira.
Se não tiver um bom preparo físico não aguenta.
Treinar a pilotagem já é mais difícil porque
não existem pistas. Então o que eu faço é
participar de quase todas as competições, umas duas
por mês, para ficar em forma.
Como
é a participação feminina?
Muito pequena. As poucas mulheres que estão neste
meio são filhas, namoradas, irmãs ou esposas de
homens que estão atuando no off-road. Dizem que sou uma
exceção, porque entrei no meio por iniciativa própria,
não tinha amigos nem parentes pilotos, tinha
só a vontade de pilotar, acelerar, fazer trilhas, vencer
desafios, conquistar o mundo pilotando, subir cada vez mais no
lugar mais alto do pódio. Espero servir de incentivo para
que outras mulheres participem do esporte, que a meu ver não
é esporte masculino. Dá para participar de um rally
sem perder a feminilidade.
Vê
alguma dificuldade em competir junto com os homens?
Compenso a menor força física com maior determinação,
disciplina, estratégia e concentração. Para
as mulheres que são apaixonadas pelo automobilismo, que
sei que não são poucas, e se limitam a espectadoras,
fica o meu incentivo. Acreditem, provem do que são capazes,
não tenham medo de enfrentar os desafios, aproveitem o
seu talento pensando na sua própria realização.
Sobra
algum tempo para pensar em formar uma família, ter filhos?
Não encontrei o homem certo. Até hoje nenhum
conseguiu me acompanhar em tudo. Já estive envolvida num
monte de coisas, toquei em banda de rock, em orquestra, cantei
em coral, montei meu estúdio, mas sempre tive namorado.
Só que nunca tive objetivo de casar porque não queria
perder minha liberdade, me enraizar muito. Sei que quando casar
e tiver filhos não vou poder fazer a metade das coisas
que faço. Sempre me questionei muito porque adoro criança
e tenho vontade de ter, mas optei pela minha realização
pessoal, tanto profissional como esportiva. Não dá
para viajar para rally levando o filho. Se passar da idade (que
ela não conta para ninguém) eu adoto, mas ainda
não é a hora porque eu não consegui realizar
tudo o que eu quero. Meu sonho é participar do Paris-Dakar,
que é o maior rally do mundo e foi vencido por uma mulher
em 2001, a alemã Jutta Kleinschimidt. Sou super realizada,
sou indepedente, trabalho com o que gosto e consigo praticar o
esporte que escolhi, apesar de ser uma modalidade bastante incomum
para mulheres e cara.
Existe
alguma influência japonesa que a ajuda?
O que aplico no meu esporte, no meu dia-a-dia, é a
paciência e a perseverança, porque se eu não
tivesse isso, não teria o sonho de ir ao Paris-Dakar. Diria
apenas que é algo que nunca vou conseguir e deixaria de
lado, mas apesar de ser um sonho muito difícil eu batalho
para isso. Tenho altos e baixos, mas não desisto.
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