(Texto:
Erika Horigoshi)
Gairaigo
é a palavra com a qual os nipônicos se referem a
vocábulos que compõem a língua japonesa,
mas possuem origem estrangeira, porém sem ligações
com o chinês. Trata-se de um conjunto de palavras literalmente
emprestadas e adaptadas de outros idiomas
e que têm grande influência no japonês falado
até hoje.
O processo
Eles [os japoneses] geralmente importam uma palavra e então
colocam-na de forma a encaixá-la no modelo de pronúncia
japonês, explica a professora da Meijo University,
em Nagóia, Mary Sisk Noguchi, em sua coluna no jornal The
Japan Times.
Na
maior parte dos casos, o gairaigo é escrito na língua
japonesa em katakana, o alfabeto criado para palavras estrangeiras.
Entretanto, algumas já antigas palavras emprestadas
também podem ser escritas em hiragana, ou até mesmo
em kanji, como é o caso da palavra portuguesa tabaco,
que possui kanji próprio e, para os japoneses, se diz tabako.
Embora
os gairaigo sejam uma forma fácil para os japoneses assimilarem
conceitos estrangeiros, eles podem criar um delicado e progressivo
problema de semântica (estudo da evolução
do significado das palavras). Isso porque os japoneses combinam
algumas palavras estrangeiras de forma incomum em suas línguas
de origem. Por exemplo, sutôbu, do inglês stove, contrariando
o significado original da palavra, não significa o fogão
de uso culinário, e sim aquecedor.
Outras
modificações que podem acontecer são o encurtamento
da versão japonesa de algum vocábulo
estrangeiro, como em wapuro, do inglês word processor, por
exemplo.
História
Alguns podem enxergar o gairaigo como um fenômeno moderno,
exótico, intelectual, ou ainda dinâmico, alinhado
com as tendências mundiais. O início desse processo,
entretanto, é antigo. As palavras mais recentes,
isto é, de conotação ocidental, vieram com
a chegada dos portugueses no Japão, em 1543, explica
a professora do Núcleo de Estudos Japoneses da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Tomoko Kimura Gaudioso.
A introdução
de termos estrangeiros na língua japonesa começou
com a abertura dos portos do arquipélago ao comércio
estrangeiro, por volta da década de 1540. Os comerciantes
estrangeiros trouxeram, além de novidades como o cigarro,
o vinho e as armas de fogo, novas palavras não só
relacionadas aos seus produtos, como também vocábulos
típicos de suas nacionalidades: portuguesa, holandesa,
inglesa, francesa, entre outras.
Durante
a Restauração Meiji, em 1868, o encerramento do
processo de isolamento do arquipélago e a abertura forçada
dos portos aos americanos foram fatores decisivos para o favorecimento
da liberação ao contato estrangeiro e a assimilação
de vários de seus vocábulos.
O impacto
com os dias atuais
A incorporação de tantas palavras adaptadas de outros
idiomas já faz parte da vida de milhares de japoneses,
sobretudo das novas gerações. O processo está
intimamente ligado à globalização e também
a uma possível atmosfera de modernidade na sociedade japonesa.
O problema surge quando um produto já existe no país
e, mesmo assim, por quererem parecer modernas, as pessoas usam
a sua denominação estrangeira, lembra a professora
Tomoko Kimura Gaudioso. Algumas palavras estão se
tornando internacionais, mas, ao analisar a história, vemos
que, em cada época, um certo país tem domínio
sobre os demais, logo, sua língua também domina,
argumenta a professora da UFRGS.
Tamanha
é a preocupação com essa verdadeira onda
de assimilação estrangeira, que o Instituto Nacional
de Pesquisas da Língua Japonesa (Kokuritsu Kokugo Kenkyûjo)
realiza periodicamente estudos para saber como a sociedade japonesa
está reagindo diante desse processo, suas perspectivas
e seus níveis de compreensão e significado.
Ao
que tudo indica, boa parte dos japoneses encaram a presença
do gairaigo em seu idioma como um fenômeno lingüístico
natural. No entanto, a grande camada prejudicada por essa espécie
de dialeto é, sem dúvida, a geração
de japoneses mais antiga, que já não consegue acompanhar
todos os modismos e estrangeirismos que os jovens falam regularmente.
Para
socorrer as vítimas do gairaigo, o Instituto
Nacional de Pesquisas da Língua Japonesa mantém
uma linha telefônica voltada para responder questões
e oferecer informações sobre os gairaigo (042-540-4300,
de segunda a sexta-feira, das 22h às 4h). Outra iniciativa
dos pesquisadores japoneses é a manutenção
de um painel com cem gairaigo todos explicados em kanji
que são substituídos a cada seis meses.
Tradições
culturais x gairaigo & globalização
Em
oposição à postura japonesa, de grande receptividade
ao gairaigo, alguns países criam formas de acompanhar o
desenvolvimento mundial sem prejuízos a sua língua
mãe. É o caso da China, por exemplo, que cria constantemente
novas palavras para conceitos estrangeiros, combinando kanji com
significados apropriados. Desse processo, nasceram adaptações
para palavras como computador, para a qual os chineses
empregam os kanji de eletrônico e cérebro.
Assim, computador = cérebro eletrônico.
Porém,
na perspectiva do mundo atual, regido pelos grandes blocos econômicos
e comerciais e pela necessidade constante de contato entre países,
o gairaigo é visto como uma conseqüência da
evolução do povo japonês. O fenômeno
é uma continuidade, uma vez que as relações
do Japão com os demais países vêm aumentando
cada vez mais e tende a aumentar com a globalização,
opina a professora do Departamento de Letras Modernas da Unesp,
Neide Hissae Nagae. Na opinião da professora, o abismo
que vem separando a língua dos jovens e dos velhos japoneses
não é uma exclusividade do povo do sol nascente.
Há diferenças lingüísticas entre
jovens e idosos, mas acredito que elas tenham causas diversas
e mais graves, uma vez que esse abismo não é exclusivamente
japonês, analisa.
|