Aos
65 anos, Ruy Ohtake é um dos arquitetos mais conhecidos
no Brasil e no mundo. Suas obras, com formas não muito
convencionais e cores vibrantes, não permitem a indiferença.
Prova disso são os formatos de melancia do
Hotel Unique e de carambola do instituto que leva
o nome de sua mãe, a artista plástica Tomie Ohtake.
Tratam-se de construções criticadas por alguns,
admiradas por outros, mas que, indubitavelmente, ratificam o talento,
a criatividade e, sobretudo a ousadia de Ruy.
Calmo
e de fala mansa, o arquiteto formado pela FAU/USP defende com
voracidade suas obras e alega não dar bola para a torcida.
Principalmente a que é contra. E a segurança do
arquiteto parece ter fundamento. Afinal, são mais de 30
projetos de grande porte, entre eles o Hotel Renaissance, o Parque
Ecológico do Tietê e os prédios do grupo farmacêutico
Aché, na Dutra, que lhe renderam o prêmio na Bienal
Internacional de Arquitetura, em 1973. O arquiteto tem ainda dezenas
de publicações, palestrou em países como
México, China, Itália e Estados Unidos, e possui
sete livros editados. Amigo e admirador de Oscar Niemeyer, Ruy
Ohtake falou sobre família, sonhos, carreira e, claro,
sobre suas obras controversas.
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Nippo
Brasil: Como surgiu a idéia de ser arquiteto?
Ruy Ohtake: A vontade surgiu no colegial, quando comecei a gostar
muito de formas, cores. Meu hobby sempre foi desenhar, e isso mostra
que acertei minha área. Sempre tive também o desafio
de fazer algo bonito, de entender e propor uma obra contemporânea.
NB:
Sua mãe influenciou em sua escolha?
RO: Com certeza sim. Mas acho que não foi uma pressão.
Ela nunca falou que queria que eu fosse isso ou aquilo. Mas a
prova de que a influência existiu é que tanto eu
quanto meu irmão [Ricardo Ohtake] somos arquitetos. Na
infância, falar de pintores como Portinari, Di Cavalanti
e Picasso era muito comum em casa. Tenho certeza que essa influência
facilitou a escolha pela arquitetura.
NB:
E hoje, como é essa relação?
RO: Hoje essa influência é dupla. De nós
para ela e dela para nós. Todo o domingo nós almoçamos
juntos. Eu, minha mãe [Tomie], Ricardo e meus dois filhos.
Há mais de 20 anos fazemos isso. Acho isso muito bacana
porque além da questão familiar, discutimos temas
relacionados à cultura, à arte. São domingos
muito ricos. Meus filhos adoram.
NB:
E seus filhos, vão seguir a arquitetura?
RO: Elisa tem 24 anos, estuda teatro na PUC e Rodrigo, de
18, acabou de entrar em arquitetura na FAU. Mas, assim como minha
mãe fez comigo, eu nunca influenciei na escolha dele.
NB:
Em suas obras, o senhor utiliza alguma referência de suas
origens japonesas?
RO: Essa é uma questão muito complexa. A arquitetura
que eu pretendo fazer é uma arquitetura basicamente brasileira
voltada para as comunidades a que a obra atende. Assim, no projeto
de um estádio de futebol em Brasília, foco-me na
comunidade de Brasília e em quem a vai utilizar, seja imprensa
ou jogadores. A arquitetura, na minha opinião, é
a expressão da cultura brasileira.
NB:
E como é essa expressão?
RO: Vamos pensar na arte em geral. No cinema, por exemplo.
O filme Central do Brasil tem um tema super regional e o grande
mérito do Walter Salles [diretor do filme] foi transformá-lo
em uma expressão universal. Eu acho que esse é o
papel do grande artista. Foi isso que Tom Jobim fez com a Bossa
Nova e que Oscar [Niemeyer] começou a fazer com a arquitetura
contemporânea. E a minha preocupação é
dar continuidade a isso com muita força. Ou seja, universalizar
características particulares a partir das raízes
brasileiras.
NB:
E nessas raízes, há espaço para tendências
japonesas?
RO: Uns dizem que sim. Mas eu acho que conscientemente não
porque eu nunca estudei cultura japonesa, meu japonês é
péssimo, e eu não vivo dentro da comunidade. Mas
acho que minha contribuição é grande, justamente
porque meu trabalho não fica restrito à comunidade.
O importante é manter um intercâmbio e não
ficar fechado na comunidade.
NB:
O senhor se formou em 1960, época efervescente cultural
e politicamente, acredita que isso contribuiu para a sua ousadia
no campo profissional?
RO: Sem dúvida. Todo esse período pré-64
[ano do golpe militar] foi muito importante para minha formação,
para minha compreensão do País, e para a conscientização
do incrível desajuste que é o Brasil. E isso me
ajudou muito na construção e consolidação
da minha carreira: uma arquitetura mais forte, mais expressiva,
mais ousada. E o alimento para essas características foi
o momento histórico de minha formação.
NB:
Especialistas afirmam que a arquitetura de São Paulo é
marcada por certa bipolaridade: projetos modernos de um lado,
e, de outro, projetos mais conservadores, com tendências
mais clássicas. Suas obras fogem disso?
RO: Eu procuro fazer minha arquitetura o mais próximo
possível da arte. Arquitetura é arte. É por
isso que eu diferencio a arquitetura da simples construção.
Tento fazer uma arquitetura que seja uma construção
capaz de expressar a época em que foi construída,
a técnica e os elementos característicos da arquitetura
brasileira: surpresa, ousadia e a leitura não complicada.
Toda a população, seja quem for, tem que apreciar
a obra. Pode não gostar, mas vai apreciar.
NB:
Como o senhor lida com as críticas?
RO: Não ligo mesmo. Toda a vanguarda, pelo fato de
romper com alguns paradigmas, é polêmica. E quem
tem medo de polêmica nunca vai ser de vanguarda. Vai fazer
algo de consenso. E consenso, em termos de arte, não faz
avançar. Eu sei que tem gente que não gosta [das
minhas obras], mas vou fazendo aquilo que acho interessante. O
que me conforta é que tem muita gente do exterior que admira
meu trabalho. Procuro fazer uma arquitetura que vai avançando.
NB:
Quais são suas preocupações na hora de elaborar
um projeto?
RO: São vários itens que trabalham conjuntamente.
Um deles é a estética - que tenha surpresa, inovação,
e que seja de fácil compreensão. Ao mesmo tempo,
a funcionalidade. De nada adianta um projeto lindo, mas que não
funciona. E a terceira é a relação da obra
com a cidade. Eu faço uma arquitetura que se coloca na
cidade como uma obra da virada do século. Não é
cópia de nada e sim a contemporaneidade representada no
local onde está. Esses são as três principais
preocupações. Depois vêm materiais, cores,
técnicas, mas tudo isso é para auxiliar os três
pilares.
NB:
Quais são seus projetos para o futuro?
RO: Estou no projeto de um prédio comercial na Avenida
Paulista, um estádio de futebol em Brasília, e um
projeto de arquitetura social para crianças carentes do
litoral norte. É um centro de convivência feito de
bambu trançado, com cobertura de tijolo e que mostra que
boa arquitetura não requer necessariamente materiais sofisticados.
O importante é dar dignidade à obra. Gosto muito
dessa obra por ser contemporânea, de qualidade, com materiais
simples e com intuito social.
NB:
Gosto se discute?
RO: Gosto se discute. O mau gosto se lamenta.
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