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Jornal Nippo-Brasil
O
cenário fashion brasileiro se orientalizou e não
é tendência de moda passageira. Trata-se de estilistas
nikkeis que estão se destacando ao misturar a herança
cultural às artes plásticas e gráficas, sempre
acompanhando a tecnologia nos seus trabalhos. O resultado é
uma moda vanguardista reconhecida no Brasil e no exterior.
Nomes
como Jum Nakao, 38, Érika Ikezili, 27, Rogério Hideki,
36, e Eduardo Inagaki, 25, fazem parte dessa cara da moda. Todos
já desfilaram com suas próprias marcas na Casa de
Criadores, evento que é uma vitrine de novos estilistas
para o mercado e ponte para ganhar as grandes semanas de moda
do País. A caçula dessa turma é Catarina
Gushiken, 22, à frente da equipe de estilistas da Cavalera,
grife do empresário e deputado estadual Alberto Hiar, o
Turco Loco. Ele também é sócio da V.Rom,
de Hideki e Vitor Santos.
Conseguir
lançar a própria marca não é nada
fácil. O mercado é disputado e restrito. É
preciso esforço, talento, sorte e, principalmente, coragem
para começar, afirma Walter Rodrigues, um dos estilistas
mais renomados da moda feminina, inclusive de alta costura.
Todas
essas qualidades não faltaram a Eduardo Inagaki. Quando
ainda cursava o segundo colegial em Bastos, interior de São
Paulo, procurou Rodrigues para mostrar seus croquis. O estilista
gostou do que viu e, terminado o ensino médio, Inagaki
veio a São Paulo cursar uma faculdade e trabalhar no ateliê
de Rodrigues, onde ficou por dois anos. O Eduardo tem um
enorme talento, desenha muito bem e é um batalhador,
elogia.
Formado
em desenho de moda pela Faculdade Santa Marcelina, Eduardo Inagaki
faz uma moda de detalhes pesados e contrastantes para conquistar
principalmente o público feminino. O estilista tem ainda
uma parceria com a Arezzo, que desenvolve os calçados de
seus desfiles. A inspiração japonesa aparece nitidamente
nas roupas do Verão 2005. Nesta coleção,
usei como referências os uniformes do kendô e da marinha
japonesa, afirma Inagaki.
O estilista
fez a sua primeira exportação para Tóquio
em abril deste ano e deve continuar na próxima estação.
O convite surgiu depois que donos de um showroom no Japão
vieram ao Brasil, em junho do ano passado, e se interessaram pelo
seu trabalho. Três meses depois, convidaram o estilista
a fazer parte desse showroom no qual outras lojas encomendaram
suas roupas. Inagaki já exporta peças para os Estados
Unidos e está de olho no mercado francês.
O jovem
estilista tem planos de seguir, a partir de agora, por uma linha
mais feminina. A minha proposta é criar roupas, principalmente
vestidos, para mulheres femininas de estilo contemporâneo
e urbano, comenta Inagaki. Se depender de apoio e torcida,
pode contar com Walter Rodrigues. Tento acompanhar o trabalho
dele e fico orgulhoso das coisas que vejo, diz.
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Origem do japonismo
A
expressão japonismo foi criada em 1872 pelo colecionador
de arte e crítico francês Phillipe Burty, em referência
à obsessão da época por gravuras japonesas
que influenciaram pintores iluministas, estilistas e a decoração
da alta sociedade francesa. Com a abertura dos portos do arquipélago,
em 1850, houve um aumento de estrangeiros no país. Repórteres,
ensaístas e fotógrafos enviavam suas impressões
para a Europa de uma cultura que estivera inacessível durante
mais de 250 anos.
Em
1867, aconteceu em Paris uma exposição que apresentava
a cultura japonesa e incluía os ukiyoe (pinturas da vida
social da Era Edo reproduzidas em xilogravuras). Foram essas gravuras
que atraíram particularmente o interesse de artistas e
intelectuais. Consta que Félix Bracquemond iniciou a moda
da arte japonesa quando encontrou uma cópia dos desenhos
de Hokusai Mangá em 1856, num caixote na
loja do pintor de gravuras Delâtre, e começou a fazer
cópias a partir desse álbum.
Vincent
van Gogh era um admirador dos artistas japoneses de ukiyoe. Ficou
fascinado pela forma com que compunham a figura e a paisagem.
O retrato do negociante de arte Julien Tanguy, pintado em 1887,
mostra o negociante parisiense tendo por detrás uma série
de gravuras japonesas. Mais tarde, Van Gogh recuperou alguns dos
motivos das gravuras para as suas paisagens e tipos regionais.
No
mundo fashion, o termo japonismo é usado para designar
um estilo de moda lançado por estilistas japoneses, radicados
em Paris, que traduziram a tradição em modernidade,
na década de 80. Issey Miyake, Kenzo, Yohji Yamamoto e
Rei Kawakubo introduziram o desconstrutivismo, as formas geométricas,
modelagens amplas (lembrando um quimono), volumes, texturas e
estampas que viraram referência.
Você
está conhecendo
SONHO - Hideki ganhou elogios na SP Fashion Week e quer
conhecer o Japão
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Nem
sempre ter feito uma faculdade de moda, tão comum hoje,
é sinônimo de sucesso para uma grife. Rogério
Hideki assina, junto com seu sócio Vitor Santos, as roupas
da V.Rom. A entrada de Hideki no mundo fashion aconteceu depois
de trancar a faculdade de publicidade no terceiro ano. Começou
na São Paulo Alpargatas e de lá partiu para a Zoomp,
onde foi coordenador de programação visual da marca
por quase dez anos. Fiz a escola da vida, brinca o
estilista e designer.
A marca
é voltada para o público jovem masculino que busca
roupas de corte clássico, atualizadas em novas combinações
e tecidos. Por essa busca por novas tramas, os estilistas contam
com o patrocínio da Rhodia Poliamida, por meio da marca
Amni. Desde 2002, também é um dos participantes
mais elogiados da São Paulo Fashion Week, maior evento
da área no Brasil.
A
dupla faz roupas bem acabadas e usa uma cartela de cores sofisticada,
com um resultado estético moderno, pop, meio mangá,
afirma a crítica de moda e apresentadora do programa GNT
Fashion, Lilian Pacce. A moda assinada por Rogério Hideki
e Vitor Santos pode ser conferida nos modelos usados pelos integrantes
do grupo Ira! no seu DVD de músicas acústicas.
No
mercado há cinco anos, é considerada por especialistas
de moda como uma das novas grifes que mais crescem em qualidade.
Glória Kalil, em entrevista à revista GQ italiana,
citou a V.Rom como uma das etiquetas mais inovadoras que estão
conquistando espaço nos Estados Unidos e Europa, ao lado
de Alexandre Herchcovitch, Cavalera e Sommer. Em Londres, já
existe uma representação da V.Rom. Glória
também enfatizou a importância da diversidade cultural
e étnica do País, que formam um patrimônio
humano e criativo único.
As
embalagens da marca e seus grafismos refletem outra marca da influência
nipônica. É um olhar, um viés, que lembra
essa cultura, diz Hideki. Mas ele espera que não
fique só nisso. Nosso sonho, meu e do Vítor,
é passar uma temporada no Japão para fazer pesquisas,
diz Hideki, que já teve a oportunidade de conhecer pessoalmente
Yohji Yamamoto, um de seus estilistas favoritos.
Você
vai ouvir falar
MODA - Catarina, sobrinha do ministro Gushiken, acredita
na liberdade de estilo
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Catarina
Gushiken, 22, é a estilista-chefe da marca Cavalera há
duas coleções, mas começou na empresa há
seis anos, quando cursava o colegial técnico em desenho.
A sobrinha do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação
do Governo, Luiz Gushiken, divide-se entre a faculdade de moda,
trabalhos de ilustração sua paixão
e a própria Cavalera.
O pé
no Oriente aparece nas formas, traços e cores do seu trabalho,
mas ela acredita que é na vida que ela predomina. É
no comportamento, no dia-a-dia que isso transparece, acredita
Catarina, cujo avô é issei. Catarina não dispensa
a leitura das revistas de moda de vanguarda do Japão, como
a Non-No e a Fruits. Dos estilistas clássicos, ela aponta
Issey Miyake como sua referência, pela mistura de arte com
moda.
A estilista
acredita na liberdade de estilo. Não só nesta
coleção de inverno usamos essa referência,
mas a atitude das pessoas, em qualquer época, deve ser
de ousar mais, ressalta. Como exemplo, Catarina cita os
jovens do Japão que misturam cores e padronagens, sem a
preocupação de combiná-las.
Os
nikkeis também já têm quórum na equipe
de criação da Cavalera. Atualmente, são seis
deles. A grife faz sucesso com suas referências a ícones
do mundo pop traduzidas com bom humor para a moda streetwear.
Você
já conhece
GRIFE - Jum, ex-Zoomp, passou pelo estúdio do estilista
japonês Issey Miyake, em 1988
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Hideki
e Catarina são unânimes ao elogiar o trabalho do
estilista Jum Nakao. O estilista funde as artes plásticas,
tão caras a Catarina, e as artes gráficas, inspiração
e formação de Hideki, no seu trabalho. Em uma rua
tranqüila da Vila Mariana, funciona sua nova loja, junto
ao ateliê. Lá, acontece toda a pesquisa que resulta
nas coleções da marca que leva seu nome, em figurinos
para peças publicitárias e projetos multimídia.
Numa
parceria com estúdios de design, Nakao desenvolve books
distribuídos durante seu desfile que já ganharam
prêmios internacionais e citações em revistas
de design. O estilista também participou, em janeiro deste
ano, como único representante da moda, do projeto Imagética,
mostra que reuniu artistas multimídia.
Sua
passagem pelo estúdio de Issey Miyake no Japão,
em 1988, é uma influência até hoje e o trabalho
de Nakao é reconhecido pela imprensa especializada por
imprimir a influência japonesa em suas roupas e acessórios.
Ele tem uma alma japonesa que aparece no seu trabalho,
diz Lilian Pacce. A impressão que eu tenho é
que ele se preocupa com as tradições do país,
sai em busca delas, completa. Além disso, na infância,
o estilista teve um grande contato com a cultura japonesa, inclusive
estudando a língua.
O interesse
por inovações tecnológicas é outra
marca do trabalho de Jum Nakao. Na época em que estava
à frente da loja do Hotel Lycra, realizou pesquisas sobre
as várias e possíveis combinações
de fios com elastano. O lado de exploração
comercial no meu trabalho é baixo, mas ela aparece nas
consultorias que forneço, afirma Nakao. Priorizo
a criatividade, completa. O estilista prepara-se para fechar
parcerias internacionais em breve.
Depois
de ter seu talento reconhecido em vários eventos de moda,
Nakao trabalhou como gerente de estilo da Zoomp até ser
convidado a participar da São Paulo Fashion Week, onde
desfila sua marca própria. Pelo seu perfil vanguardista,
foi convidado para cuidar da loja do Hotel Lycra, onde ficou até
o final do ano passado.
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