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Jornal Nippo-Brasil
A
paixão pela história dos nikkeis pelo mundo fez
a antropóloga norte-americana Kasumi Yamashita sair dos
Estados Unidos por um ano e pesquisar os museus de imigração
no Brasil. Bolsista da Fulbright, ela faz sua pesquisa de campo
para o doutorado no Departamento de Antropologia na Universidade
de Harvard, em Cambridge, no Estado de Massachusetts (EUA).
Kasumi
chegou em outubro do ano passado para trabalhar em sua tese sobre
a narração da migração japonesa e
a representação da etnicidade e identidade nikkei
dentro dos museus. Freqüenta o Museu Histórico da
Imigração Japonesa no Brasil, em São Paulo,
e planeja visitar outros museus em Tomé-Açu (Pará),
Rolândia (Paraná), Registro e Bastos (ambos em São
Paulo), entre outros. Depois da pesquisa no Brasil, pretende fazer
um estudo comparativo nesse mesmo tema em outros países,
como o Peru e o Japão.
Nascida
em Nova Iorque, Kasumi é casada com o americano Ted Matk,
professor de literatura japonesa moderna na Universidade de Washington,
em Seattle. Após a graduação em Língua
e Literatura Espanhola e Artes Plásticas na Universidade
de Nova Iorque, ela seguiu para o Japão, onde trabalhou
no Japan Exchange Program (JET Program).
Lá
ensinou inglês por um ano e trabalhou em Yukuhashi, Fukuoka,
durante dois. Organizou programas multiculturais para os residentes
da cidade, desenvolveu intercâmbios para estudantes e professores
entre os Estados Unidos e o Japão, foi tradutora e intérprete
para os brasileiros, bolivianos e japoneses. Naquela época,
os dekasseguis estavam começando a chegar na cidade. Anteriormente
não havia muitos estrangeiros em Yukuhashi, conta.
A antropóloga
voltou aos Estados Unidos para trabalhar na Organização
da Nações Unidas (ONU) por três anos e depois
entrou no mestrado na East Asian Regional Studies, em Harvard,
onde se formou em 99. Retornou ao Japão por um ano para
fazer pesquisa sobre as comunidades da América Latina no
Japão.
CULTURA - Pesquisadora diz que é importante japoneses em
outros
países conhecerem as histórias da imigração
japonesa no Brasil
Conheça
um pouco mais o trabalho de Kasumi Yamashita
Os
imigrantes que foram aos Estados Unidos eram homens solteiros,
diferente do Brasil, onde vieram como famílias
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PASSADO - Pai de Kasumi morou no Brasil durante dois anos
na década de 50
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Essa
já é a sua terceira vez no Brasil. Em sua visita
inicial, o que veio pesquisar?
Vim ao Brasil pela primeira vez em 98 para participar de
um curso sobre identidades étnicas e relações
raciais no Rio de Janeiro e para assistir as celebrações
dos 90 anos da imigração japonesa. Naquela época
estava escrevendo minha dissertação de mestrado
sobre a Shindo Renmei e a história e as experiências
dos imigrantes japoneses e os nikkeis nas décadas de 30
e 40 no Brasil. Aprendi muito falando com historiadores e pesquisadores
no Centro dos Estudos Nipo-Brasileiros, fazendo entrevistas e
escutando histórias que os imigrantes me contaram. A história
da Shindo Renmei e a comunidade nikkei durante a Segunda Guerra
Mundial não eram tão discutidas como hoje, pois
o livro de Fernando Morais Corações Sujos ainda
não havia sido lançado.
Por
que é importante estudar a imigração japonesa
no Brasil?
Acredito que seja importante escrever sobre a história
dos imigrantes no Brasil e a sociedade nikkei contemporânea
tanto para a própria comunidade local quanto para o público
no exterior. Como a história dos imigrantes algumas vezes
fica fora da história nacional do país de origem,
acho que seja importante recordar essas experiências e também
as memórias cotidianas que talvez não apareçam
nas grandes narrativas da história. Podemos aprender muito
contando e comparando as experiências dos imigrantes e dos
nikkeis em países distintos, em épocas diferentes
e entre várias gerações.
O
projeto é pessoal?
A minha pesquisa tem sido de uma certa maneira uma viagem
pessoal. Foi interessante conhecer a trajetória da minha
mãe que morava no Japão e decidiu viajar aos Estados
Unidos para trabalhar na delegação japonesa na Worlds
Fair (Exposição Mundial), em Nova Iorque, em 1964.
Meu pai também queria visitar lugares fora do Japão
e desembarcou no Brasil em 1959. Ele ficou só em São
Paulo por menos de dois anos, onde trabalhou como pintor. Fiquei
impressionada quando procurei os documentos originais da imigração
dele no Memorial do Imigrante, em São Paulo. Recentemente
também encontrei com alguns de seus amigos, artistas nipo-brasileiros
e outros, que viajaram no mesmo navio.
Como
é o seu dia-a-dia?
Trabalho na minha tese. Examino livros e documentos, realizo
entrevistas e também assisto um curso no programa de pós-graduação
em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP).
Hoje, no Museu, estamos organizando uma festival de cinema nikkei.
Pretendemos mostrar vários filmes e documentários
sobre as vidas dos imigrantes japoneses e os nikkeis nas áreas
de migração, agricultura, guerra, família
e música no Brasil, Estados Unidos e Japão. Esperamos
criar um espaço para dialogar sobre as nossas várias
experiências, memórias e interesses.
Que
diferença vê na imigração japonesa
no Brasil e nos Estados Unidos?
São várias. Historicamente, a emigração
japonesa aos Estados Unidos começou em 1868, e ao Brasil,
uma geração depois, em 1908. Os imigrantes que foram
aos Estados Unidos eram homens solteiros, diferente do Brasil,
onde vieram como famílias. Mesmo assim, temos cerca de
850 mil japoneses americanos, concentrados no Havaí e nos
Estados pela Costa Oeste, como Califórnia, Oregon e Washington.
Já no Brasil, são 1,4 milhão de descendentes,
principalmente em São Paulo e cidades vizinhas. Outra questão
é o grande número de departamentos de estudos japoneses
nas universidades norte-americanas.
É
comum encontrar professores não-nikkeis nas áreas
de humanas e ciências sociais em temas ligados ao Japão.
Meu marido, por exemplo, que não é nikkei, ensina
literatura japonesa moderna na Universidade de Washington. Já
no Brasil percebo uma ausência de cursos oferecidos nesses
departamentos, apesar da demanda pelos estudantes brasileiros.
Participando das aulas do Seinen Bunkyo - onde quase 20 pessoas
se reúnem a cada fim de semana para aprender sobre a história
da imigração japonesa no Brasil para depois fazer
monitoria no Museu - percebi que essa demanda existe. Outro dia,
quando realizei uma palestra a um grupo de japonesas da Burajiru
o Shiru Kai, comparando as experiências dos imigrantes japoneses
e os nikkeis dos Estados Unidos e do Brasil, fiquei contente em
perceber o interesse do grupo em discutir aspectos de suas próprias
histórias e experiências. Cada pessoa tem sua própria
história para contar.
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