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Jornal Nippo-Brasil
Há
pouco mais de dois meses, a multinacional japonesa YKK Corporation
líder mundial na produção de zíperes
escreveu um capítulo à parte na história
das relações BrasilJapão. Isso porque,
no dia 1º de abril, o presidente Tadahiro Yoshida nomeou
Seiji Ishikawa, 56, para o cargo de diretor vice-presidente da
matriz. Nada de mais, se ele não fosse brasileiro, filho
de imigrantes japoneses, caso até então inusitado
em empresas nipônicas.
Presidente
da YKK do Brasil desde 1994, Ishikawa foi o primeiro nissei a
assumir um cargo executivo no arquipélago, segundo a Câmara
de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil, órgão
no qual também ocupa uma das cadeiras da vice-presidência.
Bacharel em ciências contábeis pela Faculdade de
Ciências Econômicas de São Paulo (Facesp),
em 1973, o nikkei passou a compor o quadro da YKK dois anos depois
de sua formatura, como gerente de contabilidade. Coincidência
ou não, a empresa iniciava naquele ano suas atividades
no País. Participei de toda a operação
de fundação da fábrica, da montagem da empresa,
e atravessei com elas todas as dificuldades, orgulha-se
Seiji. Por isso, hoje costumo diser que não sei se
sou mais eu ou se sou mais YKK, brinca.
A escalada
rumo ao inédito posto no Japão que, por questões
estratégicas, é exercido de sua própria sala,
no prédio da filial brasileira, no bairro paulistano do
Itaim Bibi teve início em 1961, quando, ainda jovem,
começou como auxiliar de escritório no Palácio
dos Brinquedos, na Rua 25 de Março. De lá, Ishikawa
transferiu-se para o Banco do Estado de São Paulo (Banespa),
após aprovação em concurso público,
enquanto ainda fazia faculdade. Já formado, ingressou no
Grupo Safra como assessor contábil. Só depois foi
contratado pela YKK.
Prestes
a completar três décadas no grupo no qual,
no Brasil, também já exerceu as funções
de gerente-administrativo (82), diretor-administrativo financeiro
(86), diretor-superintendente (87), diretor vice-presidente (89)
e coordenador da América do Sul (2000) , Seiji Ishikawa,
com ar de workaholic, garante não estar pensando em aposentadoria.
Principalmente agora. Hoje não tenho data definida
[para a aposentadoria]. Mas penso que, quando for deixar a empresa,
quero deixá-la numa posição confortável,
para que o sucessor consiga gerenciá-la de maneira mais
tranqüila, adianta.
Natural
de Marília (SP), o novo executivo da YKK Corporation passou
por Adamantina com os pais, Takaji e Toshiko Ishikawa, antes de
chegar à capital, sozinho, aos 12 anos. Aos 27, casou-se
com Misuzu Shinobara, com quem tem três filhos Patrícia,
Fábio e Ricardo , todos administradores de empresa.
Seiji
Ishikawa, que também é presidente de honra do São
Paulo Beisebol e Softbol Clube, tem raízes fincadas na
cultura nipônica. Prova disso é que, além
de ter fluência no idioma, nos momentos de lazer costuma
ouvir kayoukyoku (música popular japonesa). De outras
músicas internacionais ou brasileiras, eu prefiro as românticas,
admite. Difícil, porém, é conciliar o prazer
da vida pessoal à nova rotina profissional.
Não
bastassem o desafio de fazer crescer em 10% o faturamento do grupo
no Brasil, elevando-o dos R$ 195 milhões registrados em
2003 para R$ 210 milhões ao final deste ano, e a responsabilidade
de seguir à frente das cinco divisões da YKK no
País fastening (zíperes, botões e
quicklon, um tipo de velcro); produtos arquitetônicos; granitos
e mármores; mecânica; e agropecuária
e de seus mil funcionários, o nissei passará a viajar
de quatro a cinco vezes ao ano para o Japão, o dobro do
que estava acostumado. Isso além das duas ocasiões
em que terá de se deslocar para os Estados Unidos, onde
participará de reuniões com outros executivos da
matriz. Mas tudo isso é uma alegria, já que
vou poder contribuir com alguma coisa para a empresa, conclui.
"Acredito que cada vez mais, nas empresas, os profissionais
são mais profissionais. Então, a exigência
é maior"
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Confira
os principais trechos da entrevista que Seiji Ishikawa concedeu
ao NB:
Nippo-Brasil:
Para o senhor, o que significa ser o primeiro nissei a assumir
um cargo executivo na matriz de uma multinacional japonesa?
Seiji Ishikawa: Foi uma grande surpresa para mim, e logicamente
que hoje eu sinto que, apesar de surpresa, a gente pode contribuir
com alguma coisa, principalmente porque a economia do mundo está
mudando muito.
NB:
Mesmo não sendo japonês, o senhor já havia
pensado na possibilidade de tornar-se executivo da matriz?
SI: Em 1994, quando passei para a presidência da YKK
do Brasil, existiam poucos nisseis [executivos em empresas japonesas].
E, para ser presidente da empresa japonesa no Brasil, as pessoas
já diziam que era muito difícil. Em 2000, também
passei a coordenar o bloco América do Sul. E, para ser
sincero, achei que isso era o final. Nem cheguei a pensar que
um dia eu poderia ser diretor da matriz.
NB:
Quais foram as principais recomendações feitas pelo
presidente da YKK Corporation ao senhor, já como diretor
vice-presidente da matriz?
SI: As únicas coisas que ele [Tadahiro Yoshida, presidente
da YKK Corporation] citou foram que eu teria total liberdade para
me pronunciar a respeito da direção que a YKK deverá
tomar daqui para a frente, e que eu deveria ter o máximo
de informações sobre as Américas e de como
esse continente deverá se comportar.
NB:
Então é por isso que, apesar da promoção,
o senhor continua no País?
SI: Sim, já que, estando aqui, as informações
estão mais próximas e são mais rápidas,
certas e reais. Tem algumas coisas que as viagens atrapalham.
NB:
Na sua opinião, quais características pessoais o
auxiliaram a chegar ao posto?
SI: Acho que uma das grandes coisas foi a comunicação.
Quando você consegue se comunicar na mesma língua,
facilita. Outro ponto-chave que eu tenho dito, quase que em tom
de brincadeira, é que a dificuldade do Brasil nesses últimos
30 anos, com desvalorização de dólar, inflação
alta e troca de moeda, é de difícil compreensão
para uma pessoa que está no Japão. Foi quando na
dificuldade eu tive possibilidade de agir rápido, a empresa
começou a depositar confiança em mim. Por isso,
costumo brincar dizendo que, se o Brasil fosse um País
certinho, direitinho, talvez hoje eu não seria presidente,
porque não precisaria. (risos)
NB:
O senhor acredita que hoje os japoneses confiam mais nos executivos
brasileiros?
SI: Acredito que cada vez mais, nas empresas, os profissionais
são mais profissionais. Então, a exigência
é maior. Mas o que eu sinto é há uma abertura,
sim. E os próprios japoneses estão sentindo que
esse é o caminho mais fácil de ser bem-sucedido
no País.
NB:
Sua promoção pode representar a abertura definitiva
do mercado nipônico para executivos nikkeis do Brasil?
SI: Acredito que sim. Em 94, quando eu assumi a presidência
[da YKK do Brasil], também foi um caso assim, quase que
primeiro. Na época, senti que era uma experiência.
Lembro-me que, quando eu fiz meu discurso, na época, disse
que minha vontade de trabalhar se dobrava porque eu teria de servir
de exemplo. Se eu fosse malsucedido, fecharia a porta. E, graças
a Deus, estou aqui há dez anos. Agora, mais uma vez, sinto
a mesma coisa. Acho que é uma abertura, e a gente tem de
procurar dar certo, porque hoje vejo que já existem mais
alguns presidentes e diretores [nisseis]. E não só
nisseis; há também não descendentes. Então,
o que vale mesmo é a capacidade profissional. Não
sei o timing disso, mas é uma abertura, e acredito que
isso terá continuidade, para que uma segunda ou terceira
pessoa possa aparecer.
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