(Texto:
Erika Horigoshi)
Provérbio.
De acordo com o dicionário Houaiss: frase curta,
geralmente de origem popular, freqüentemente com ritmo e
rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da
realidade ou uma regra social ou moral. Normalmente incorporados
ao cotidiano, milhares de pessoas, muitas vezes instintivamente,
falam algum provérbio todos os dias. Eles marcam situações
inusitadas, são fonte de inspiração para
o ensinamento de pai para filho e, conseqüentemente, heranças
orais do comportamento e da cultura de um povo.
No
Japão, não é diferente. Séculos de
desenvolvimento foram marcados com a criação de
inúmeros provérbios, adequados às mais diversas
ocasiões. Uma fonte rica para o estudo dos usos e costumes
do povo do arquipélago, já que muitos desses ditados
retratam características específicas de lugares,
festas e tradições. Um prato cheio para quem se
interessa por esse assunto. Infelizmente, no Brasil, o tema ainda
é muito pouco desenvolvido. A professora e diretora do
Núcleo de Estudos Japoneses da Universidade de Londrina
(UEL), Maria Fusako Tomimatsu é a pioneira no estudo dos
provérbios japoneses no Brasil.
Autora
de uma tese de doutorado a respeito desse assunto, Maria Fusako
conta as dificuldades que teve para realizar suas pesquisas. Durante
o tempo em que desenvolvi esse estudo [a tese], foram quatro anos
de pesquisa intensa entre o início e a data em que o defendi.
Pela precariedade de material nacional a esse respeito, comecei
a imaginar que eu estava sendo, naquele momento, a pioneira no
desenvolvimento de uma pesquisa voltada para o estudo dos provérbios
japoneses no Brasil, desabafa.
A riqueza
de interpretação, elaboração, ligação
literária e retórica foram alguns dos aspectos dos
provérbios nipônicos analisados por Maria Fusako.
O provérbio é visto, não só
no Japão, mas no Ocidente, como um meio para registrar
verdades fundamentais obtidas pela experiência da vida real
e para transmitir a sabedoria e a observação do
comportamento humano e da natureza em forma de crítica,
diz a estudiosa em artigo publicado na Revista da USP.
Se
conviveres com o vermelho, tornar-te-ás rubro. Do original
japonês Shu-ni majiwareba akaku naru, eis um provérbio
que, no Brasil, seria equivalente ao tão conhecido por
aqui Ande com eles e serás um deles, ou ainda Diga-me com
quem andas, que te direi quem és. Sua lição
fundamental ensina que as companhias têm o poder de influenciar
uma pessoa. É a chamada transmissão de ensinamentos,
diz Maria Fusako.
São
transmissões de ensinamento pelo conteúdo, verdadeiros
conselhos para a formação de caráter, mesmo
caso do provérbio a seguir: O cavalo, experimente montar;
pessoas, experimente relacionar-se, em japonês, Uma-niwa
notte miyo hito-niwa soute miyo. É preciso saber lidar
com as várias situações que a vida oferece
e aplicar o tratamento adequado para cada fim.
Fontes
de pesquisas culturais, alguns provérbios contextualizam
o comportamento dos japoneses em determinadas ocasiões
festivas do calendário nipônico, como é o
caso deste: Melhor bolinhos que flores, originalmente, Hana-yori
dango. Relacionado ao hanami, a ocasião da primavera e
da apreciação das cerejeiras muito festejada pelos
japoneses, esse provérbio diz respeito ao costume de levar
lanches para o consumo durante a apreciação
do sakura, daí viria a ironia indicando o fato de muitas
pessoas participarem da ocasião apenas para comer, deixando
de lado a beleza das flores de cerejeira. Outra lição
que pode ser tirada é a da valorização do
conteúdo além da aparência. Nos provérbios
japoneses, constata-se a presença de argumentos que recorrem
à comparação, baseados na concepção
de valores contextuais da época. Gramaticalmente, são
manifestos pelo uso da partícula yori [é melhor
que
], que indica a comparação de superioridade,
explica Maria Fusako.
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Antigamente,
numa aldeia japonesa, vivia um lavrador chamado Sai, que tinha
um belo cavalo. Certo dia, o cavalo pulou a cerca e desapareceu.
Os vizinhos vieram então consolar o amigo Sai, pois o cavalo
era um precioso bem para o trabalho da lavoura. Ao receber as
palavras de consolo, o lavrador surpreendeu a todos com a seguinte
resposta:
Quem sabe isso seja um aviso de boa sorte!
Dias
depois, o cavalo retornou sem mais nem menos, trazendo consigo
outro cavalo. Os vizinhos vieram então cumprimentá-lo
por esse lucro inesperado, e o lavrador comentou:
Quem me garante que isso não seja um sinal de azar?!
No
dia seguinte, o filho moço do lavrador caiu do cavalo e
quebrou uma perna. Seu vizinhos vieram visitar o rapaz e comentaram:
Que azar!
Ao
que Sai respondeu, novamente:
Quem sabe isso seja um aviso de boa sorte!
Aí também é demais disseram os vizinhos
e foram embora.
Mas,
alguns dias depois, chegou uma ordem do xogum convocando todos
os jovens da aldeia para lutar na guerra. O único dispensado
foi o filho de Sai, porque estava com a perna quebrada.
Daí
nasceu um provérbio japonês que diz: Ningen banji
saiou ga umá que significa na sorte e no azar, as
coisas não são como parecem.
(Extraído
do livro Contos Zenchi, de Claudio Seto)
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Para
saber mais
O universo dos provérbios japoneses é
muito vasto. A seguir, o NB elaborou, com a ajuda de especialistas,
uma lista bibliográfica para consultas mais aprofundadas.
Kotowaza jiten (somente em japonês). Senji Yonetsu
Editora: Yuki Shobo (1985)
Dictionary of proverbs: Kurashino nakano kotowaza jiten. Eiji
Orii
Editora: Shuei Sha Co. Ltd; (5th ed.) edition (1965)
Japanese-English Idioms: Nihongo-Eigo No Kotowaza Jiten (Inglês/Japonês).
Trey Roper (Translator)
Editora: Us-Asia Research (December, 1994)
Koji kotowaza no jiten (em japonês)
Editora: Shogakkan; Dai 1-han edition
Koji kotowaza monoshiri jiten: Shirazu shirazu Nihongo ni tsuyoku
naru (inglês/japonês). Kengo Toyoshima
Editora: Daiwa Shuppan; Shohan edition (1987)
Kotowaza Nandemo Jiten (em japonês). Compilação
de Kunimatsu Toshihide.
Editora: Four Bunko
Nihongo Journal (revista em japonês)
Set./1996; Jan./2000
Os provérbios japoneses: considerações sobre
o iroha-garuta. Maria Fusako Tomimatsu. Tese de doutorado. (2003)
Biblioteca da Universidade de São Paulo.
*Com
a colaboração da professora do Departamento de Línguas
Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília
(UnB), Alice Tamie Joko.
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