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Jornal Nippo-Brasil
Combater
o sedentarismo com 30 minutos diários de atividade física
moderada. Essa é a proposta do Agita São Paulo,
programa criado em 1996 a partir de uma parceria entre a Secretaria
de Estado da Saúde e o Centro de Estudos do Laboratório
de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs).
Reconhecida pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como modelo de promoção da saúde -
fato que culminou com a criação do Dia Mundial da
Atividade Física, comemorado anualmente em 6 de abril -,
a idéia teve como mentor o médico Victor Keihan
Rodrigues Matsudo, 55, presidente do Celafiscs e atual coordenador
geral do Agita São Paulo.
Filho
do okinawano Keizen Matsudo e da brasileira Albertina Rodrigues
Matsudo, o paulistano Victor sempre se interessou por esporte.
Não fosse a intervenção paterna em sua adolescência,
teria deixado São Caetano - para onde mudou-se com a família
aos dois anos - atrás de promessas de um olheiro, que dizia
querer transformá-lo em craque do futebol do Palmeiras.
Meu sonho era praticar futebol para ir para uma Olimpíada,
confessa.
Coincidência
ou não, sua pretensão concretizou-se anos depois.
Não como atleta, mas como médico formado pela Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo,
especialista em ortopedia, traumatologia e medicina do esporte,
profissão que o levará em agosto à Grécia,
à sua sétima edição de Jogos Olímpicos.
No final, tenho de agradecer a meu pai, porque se jogasse
bola talvez nunca teria ido para uma Olimpíada, brinca.
Casado
com Sandra Marcela Maecha Matsudo - diretora geral do Celafiscs
e assessora do Agita São Paulo - e pai de Flávia
Kei Matsudo, Victor Keihan acumula diversos cargos em instituições
especializadas em medicina esportiva. Entre eles, destacam-se
os de diretor regional do Conselho Internacional de Ciências
do Esporte e Educação Física (ICSSPE) - órgão
da Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) -;
consultor do Grupo Internacional de Atividade Física para
Saúde, da OMS; e membro da Comissão de Detecção
de Talentos do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Em
31 anos de carreira, o nikkei, que também é editor
de revistas nacionais e internacionais sobre prática esportiva
e saúde e professor livre docente em Medicina na Universidade
Gama Filho (RJ), já trabalhou com grandes nomes do esporte
nacional, como Magic Paula, Hortência e Oscar Schmidt, ícones
do basquete brasileiro. Modalidade da qual, aliás, foi
médico da seleção brasileira em 1976. Isso
sem falar de William, Xandó, Montanaro e Amauri, jogadores
da geração de prata do vôlei -
vice-campeã mundial e olímpica em 82 e 84, respectivamente
- que passaram pelas mãos de Victor Matsudo ainda adolescentes.
O reconhecimento
pelas horas empreendidas em prol da saúde pelo esporte
renderam-lhe o Grande Prêmio Internacional de Medicina Esportiva
dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 92; o Prêmio
de Pesquisa Philip Noël Baker em medicina esportiva, concedido
pelo Conselho Internacional de Ciências do Esporte e Educação
Física, em 95; e o prêmio do Príncipe Faisal
da Federação Internacional de Educação
Física (FIEP), em 96.
No
embate contra aquele que ele considera o inimigo número
um de saúde pública, Matsudo e sua equipe, ao lado
do governo do Estado e mais de 300 empresas parceiras do Agita
São Paulo, contribuíram para a redução
de 70% para 50% no índice de sedentarismo entre os paulistas
em oito anos de programa. E, segundo o especialista, mesmo quem
só conhece a mensagem do Agita tem chances 50% menores
de se manter sedentário que alguém que não
sabe sobre sua existência. É uma das melhores
metas já alcançadas por qualquer programa do gênero,
proclama. Mas ainda falta muita coisa. Temos que transformar
nosso País naquilo que sonhamos e criarmos um instrumento
de mobilização social, defende.
Comprometido
desde os tempos de universitário com a construção
da saúde, Victor descobriu no esporte uma alternativa barata
e acessível para a prevenão de doenças e
promoção de uma vida mais equilibrada. Por
isso é que comecei a estudar e verificar até que
ponto essa atividade física poderia trazer benefícios
concretos para a saúde, diz o médico, ao comentar
sobre os anos que antecederam a criação do Agita
São Paulo.
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SAÚDE - Matsudo diz que sedentarismo é um
problema social que no início da década de
90 comprometia 70% da população da Grande
SP
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NB:
Quais fatores que o levaram a se preocupar com o sedentarismo?
Victor Matsudo: O sedentarismo é um problema social que
no início da década de 90 comprometia 70% da população
da Grande São Paulo. Ainda hoje, trata-se do mais prevalente
de todos os problemas e o inimigo de saúde pública
número um. Ele leva a 300 mil mortes cardiovasculares por
ano no Brasil. E, igualmente ruim, o sedentarismo custa dinheiro.
Juntamente com má nutrição e o cigarro, consome
70% do orçamento de saúde do País, das Américas
e do mundo. Todos esse fatores nos levaram a começar a trabalhar
na construção de um modelo para combatê-lo.
Assim, em 96, o então secretário de Estado da Saúde,
o Dr. José da Silva Guedes, se empolgou com os trabalhos
que fazíamos em São Caetano. Ele veio a mim e perguntou
se o Celafiscs aceitava o desafio de criar um programa para promover
saúde e combater o sedentarismo. Foi assim que nasceu o Agita
São Paulo.
NB:
E qual é a proposta do programa?
VM: É a famosa mensagem do acumular os 30 minutos.
Essa mensagem foi muito estudada, não só pelo Celafisics,
mas por diversos pesquisadores do mundo. Em 95, diversos grupos
de cientistas se uniram e descobriram qual era o mínimo
[de atividade física] que você tinha de fazer. E
esse mínimo são pelo menos 30 minutos. Com 30 minutos
você começa a diminuir [as chances de] derrame, infarte,
tudo. Começamos então a mostrar que era o estilo
de vida que precisávamos dar, e não dar mais médicos.
Falar em atividade moderada, ou seja, aquela que você faz
e consegue conversar, e exercícios não-contínuos,
que poderiam ser feitos em 30 minutos de uma vez ou em três
bloquinhos de 10 [minutos], também foi outra mágica.
Assim, em 10 minutos você caminha, em 10 dança e
em 10 jardina. Por isso, pode-se dizer que o Agita criou um novo
conceito e rompeu com todos os paradigmas.
NB:
Qual o segredo para se combater o sedentarismo?
VM: O mais importante é que você busque algo
que dê prazer e seja viável. Tente você montar
sua agenda e criar metas para que possa competir consigo mesmo.
Outra dica é ter uma companhia para a prática esportiva.
Porém, caso não a tenha, abra um diálogo
com você. Crie aquele momento que precisava para fazer um
balanço, uma proposta. Agora, o que não se pode
é criar barreiras.
NB:
Quais outras recomendações que o senhor daria para
uma vida mais saudável?
VM: Duas coisas que precisamos lembrar: alimentação
saudável e manejo do estresse. De nada adianta fazer atividade
física e detonar na alimentação. Assim como
cuidar da saúde mental, numa socidade estressada e enloquecida,
é fundamental. Se você conseguir fazer um estímulo
físico, um estímulo alimentar e um estímulo
mental adequado, certamente terá muita vantagem.
NB:
Na sua opinião, o brasileiro é preguiçoso?
E o japonês?
VM: O brasileiro não é mais preguiçoso
que um japonês. Não existe isso! Trata-se de uma
idéia inadequada. Inclusive, quem já foi ao Japão
sabe quanto que japonês gosta de dormir e ficar parado.
Na verdade, o brasileiro é mais indisciplinado, mais desorganizado.
O que fazemos é de forma ineficaz, porque não fazemos
dentro de protolocos de eficácia. Temos uma péssima
gestão do tempo. Acabamos ficando mais tempo no trabalho,
produzindo menos e, com isso, reclamando mais. Na minha opinião,
o que existe é falta de estimulação. Mostre
a um brasileiro o que é bom no Japão ou mostre a
um japonês o que é bom no Brasil e vamos usar.
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