(Arquivo
Jornal NippoBrasil)
Aprimoradas
do teatro kabuki, as danças clássicas são
a interpretação, com o corpo, de narrativas transformadas
em músicas, enquanto as folclóricas representam
manifestações espontâneas e mais populares
executadas em festivais
Ao
fundo, uma música de difícil definição,
que se assemelha a uma narrativa cantada de forma arrastada, pontuada
pelo shamisen (instrumento de cordas) e em alguns trechos ouve-se
a batida seca de um taiko (tambor). A canção, que
conta a história de uma menina pobre da província
de Niigata que não pôde ser criada pelos pais, que
migram para Tóquio em busca de trabalho, é delicadamente
dançada por Débora Mai Nakamura Iguti, de 15 anos.
A dança
se confunde com uma espécie de encenação.
O que a música fala, nós representamos com
o corpo, explica a professora Yoshika Fujima, da Fujima
Companhia de Dança Kabuki.
Grupo Awa Odori Represa: cores, sons e muita animação
são o forte da dança folclórica
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Conforme
explica Yoshika, o teatro kabuki inclui, além da representação,
a dança que antigamente era feita por mulheres. Porém,
como o público não soube apreciar apenas o valor
técnico da dança, admirando mais a beleza das mulheres
que o número em si, o governo proibiu a participação
do sexo feminino no teatro kabuki. Hoje ele é encenado
somente por homens.
As
mulheres passam, então, a dar continuidade à dança
kabuki fora dos palcos, transmitindo sua técnica como professoras.
A dança do teatro kabuki é a referência da
dança clássica japonesa e a partir dela surgiram
vários estilos. No Japão, os três estilos
mais antigos são o Bando-ryu, Hanayagui-ryu e Fujima-ryu.
Esses dois últimos estilos também estão presentes
no Brasil.
No
caso do estilo Fujima-ryu, ele existe há 270 anos e foi
fundado por Kan-Emon Fujima, que também foi ator de teatro
kabuki. A responsável por disseminar a tradicional dança
no País foi Yoshinojo Fujima, cerca de 40 anos atrás.
O que difere os estilos uns dos outros é o jeito
de expressão, porque a música e a história
são as mesmas. O Fujima-ryu é uma dança de
palco, com paradas e movimentos mais fortes. Já o Hanayagui-ryu
se utiliza de movimentos mais suaves, sendo uma dança para
ambientes fechados, explica Yoshika.
A jovem
aprendiz que aparece no início da matéria, Débora
Mai Nakamura Iguti, é neta de Yoshinojo Fujima. Sob o olhar
atento da avó e com auxílio de Yoshika, ensaia exaustivamente
os movimentos de uma dança kabuki, que será apresentada
no dia 5 de janeiro, na Sociedade de Cultura Japonesa (Bunkyo).
Débora
tem a dança no sangue e até no nome Mai,
que foi dado pela avó. Minha mãe, minha tia,
todas dançam. Quando eu era pequenininha, comecei meio
que por tradição, mas depois de uma certa idade,
gostei. Hoje, danço porque gosto, explica a jovem,
cuja estréia na dança kabuki foi com uma adaptação
de Madame Butterfly, no Teatro Municipal de São
Paulo aos 3 anos de idade.
Fazer
os movimentos precisos de mãos, joelhos e corpo exige concentração,
ritmo e atenção, já que a dança é
cheia de detalhes. É difícil, é uma
dança longa, diz Débora. E o curioso é
que a narrativa da música é toda em nihongo, idioma
que ela apenas arranha. Acho que é um
instinto, eu não sei as palavras, mas quem dança
há bastante tempo vê que nas músicas têm
umas marcações, salienta.
Entre
as peças mais famosas está Mussume Dooyoj,
que narra a história do amor proibido de uma moça
por um monge. Sonezaki Shinju, sobre dois amantes
que se suicidam numa floresta, e Tsuri Onna, que fala
de um senhor feudal e seu serviçal em busca de uma esposa,
também são peças do teatro kabuki e bunraku,
que são dançadas no estilo Fujima-ryu.
Se
de um lado há a preocupação de jovens como
Débora em estar assimilando a cultura japonesa, por outro
há aqueles que praticam a dança clássica
japonesa como uma espécie de terapia. É o caso de
Yuriko Imai, de 75 anos, que dança o estilo Kyo Fujima,
fundado por Kanteru Kyo Fujima, há cerca de 10 anos. Faço
para ajudar o corpo, para a perna é bom e para a cabeça
também, conclui.
Dança
Folclórica
Jovens
e crianças entre 10 e 23 anos surgem alegremente no palco
enchendo os olhos do público de cores e energia. Gritos
como Som som, puxados por um e repetidos em coro pelos
outros, são o convite para a animação.
Eles
fazem parte do Grupo de Dança Folclórica Awa
Odori Represa, da Associação Cultural e Esportiva
Represa, formado por quase 50 componentes. O Awa Odori (Dança
de Awa) é representativo da Província de Tokushima,
que antes era chamada de Awa-no-Kuni, sendo sua origem datada
no Ano 13 da Era Tencho (1585).
Em
função da conclusão do Castelo Tokushima-Dyo,
o suserano Hatissuka Iemassa promoveu na época uma grande
festa, onde nobres e plebeus se misturaram para beber e dançar.
Com o passar dos anos, a festa ganhou novos contornos e atualmente
é celebrada no dia 12 de agosto, em Tokushima. O festival,
que dura quatro dias, lembra o Carnaval brasileiro.
No
Awa Odori, a coreografia dos homens simboliza o delírio
em que caem os dançarinos, que, induzidos pelo ritmo frenético
e alegre, fazem movimentos livres, aparentemente desordenados
e sem coordenação. Já as mulheres dançam
sobre as pontas dos pés, com gestos suaves e acenos sensuais.
O ritmo é bem acelerado e a música, dinâmica.
O estilo é parecido com samba. Parece fácil, mas
precisa ter pique, diz a presidente Mytie Fujioka.
O interessante
do Grupo é que ele é formado apenas por jovens e
crianças, como Marcia Lie Tsuchiya, de 20 anos. Danço
desde os 5. Via o grupo dançando no kaikan e me interessei,
acho uma dança bonita, é um ritmo mais alegre,
diz.
E a
dança não é restrita só ao público
feminino. No Awa Odori também existem muitos garotos. Carlos
Henrique Konbo, de 17 anos, é um deles. Comecei criança
e estou aqui até hoje. Com a dança dá para
conhecer pessoas e lugares novos, conta.
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Como
se vestem
Na
dança kabuki, as dançarinas representam personagens
e se vestem de acordo com a época e a classe social abordada
na música. Geralmente, quando a mulher é de uma
classe mais alta, veste quimono de seda que se arrasta no chão
e zori (chinelinho) do mesmo material (foto à esq.). Já
o quimono de uma camponesa é curto e o zori confeccionado
com palha. Homens usam hakama (espécie de saia comprida)
com tabi (espécie de meia) ou guetá (chinelo de
madeira). Durante a dança, objetos como katana (espada),
kasa (guarda-chuva) e sensu (leque) que é a alma
da dança, podendo representar outras coisas como um livro,
um espelho, conforme a história são utilizados.
No
Awa Odori,
mulheres vestem amigassa (quimono), kassa (chapéu)
e takaguetá (tamanco de madeira), como a da foto à
esquerda.
Já os homens usam yukata (quimono) e tabi. Crianças
(à dir.) vestem hapi (quimono mais curto), hatimaki (faixa
na cabeça) e tabi. Em certos momentos da dança,
aparecem com tyootyn (espécie de lamparina) e um estandarte
que leva o nome e o emblema do Grupo.
Outras informações sobre a dança japonesa
Mai e Odori são os termos usuais para a palavra dança
no idioma japonês. A combinação dos dois ideogramas
forma a palavra buyô, que significa genericamente danças
tradicionais japonesas. Em termos históricos, mai
era utilizado para se referir às danças da corte,
ritualísticas e religiosas, e às danças do
teatro nô. Odori era usado para indicar danças populares
(bon-odori, nembutsu-odori, furyo-odori, etc).
A dança clássica japonesa busca estabelecer o contato
com a terra. Os movimentos mais comuns são os que levam
à flexão dos quadris e membros inferiores, tornando
o corpo mais baixo. Os pés se arrastam e pisam fortes no
chão. É uma dança com passos intensivos,
cujo ideal técnico é expressar a beleza da idade
avançada.
Coube ao teatro kabuki dar expressão artística refinada
ao odori, as danças de festivais rústicos e populares
executadas em grupo. Originalmente, odori significa um tipo de
dança de saltos e pulos. No período Edo, nas ruas
e praças públicas passaram a ser realizadas danças
de massa, como o Bon-Odori, tradicional dança feita em
grupo para reverenciar os mortos, geralmente no mês de agosto.
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