A dança é marcada por corpos pintados de branco,
cabeças raspadas e posturas distorcidas
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O butô
nasceu de forma marginal no Japão, no período do
pós-guerra, com Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata. Nessa época
o país sofria uma invasão cultural por parte do
ocidente e essa nova forma de expressão, chamada a princípio
de danças das trevas- Ankoku butô - retomou antigas
tradições japonesas. Segundo Kazuo Ono, o butô
é uma das formas mais arrojadas de dança que expressa
ao mesmo tempo tantas idéias, o que faz com que seja impossível
defini-la: Ela somente choca e surpreende.
Sobre
os mestres, Akira Kasai, que trabalhou com os dois, afirma: O
Kazuo Ohno liga sua própria experiência à
dança, como se fosse uma autobiografia e usa bastante a
improvisação. Já o Tatsumi Hijikata, mais
do que com a coreografia ele se preocupa com a forma intrínseca
do ser. Se existe espaço e tempo na dança, o mestre
Ohno constrói uma imagem dentro do fluxo temporal e o Hijikata
trabalha com a parte espacial.
Yoshito
Ohno, filho de Kazuo, que esteve no espetáculo Kinjiki
de Hijikata - primeira apresentação de butô
em 1959 - acrescenta: A arte deve estar ligada à
vida. Eu penso naquilo que é importante para a vida assim
como para a morte, na dignidade da morte. Como dançarino
de butô acredito que devemos conversar sobre a importância
da vida e sobre o que o homem é.
Para
Mitsuru Sasaki, radicado na Alemanha, a dança deve ser
pensada como um todo. Existe um caminho livre entre cotidiano
e não cotidiano e deve existir algo que extrapole o cotidiano,
a fantasia, como na minha apresentação de Rubicão.
O espetáculo é uma dança-documentário
sobre os japoneses comuns que vivem entre a comédia e a
tragédia, no mergulho da economia da bolha rumo a recessão.
Renovaçôes
e transformações
Mas
o butô, que é marcado por corpos pintados de branco,
movimentos lentos, postura contorcida e cabeças raspadas,
passa por transformações e renovações
que puderam ser apreciadas pelo público paulistano no evento
Vestígios do Butô (veja mais apresentações
no quadro da página ao lado).
Yukio
Waguri, considerado o último discípulo de Hijikata,
fala sobre as mudanças: A nossa geração
já começou com o butô, não havia a
desconstrução. Nos anos 60 os artistas se rebelaram
contra a dança moderna, já nos anos 70, mais do
que destruir era importante construir.
Yoshito
Ohno também afirma que seu trabalho passa por mudanças:
Agora estou com a cabeça raspada e para as apresentações
no Brasil vou pintar meu corpo de branco, mas estou pensando em
mudar de cor. Talvez pinte de uma cor só, como uma estátua
budista de madeira.
De
acordo com ele, o branco simboliza a morte, porque no Japão
quando a pessoa morre é vestida de branco. A idéia
é se colocar ao lado da morte e ver o mundo. Esse foi o
caminho traçado pelo Hijikata. O branco é profundo
e importante, mas parece que só a forma fica em evidência,
mas, na verdade, é a essência que é importante,
conclui Yoshito.
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A Cia Tamanduá vai participar da Bienal de Quioto
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No
Brasil
Takao Kusuno, falecido em 2001, que foi o responsável
pela introdução do butô no Brasil não
gostava de rótulos, dizia que fazia dança-teatro.
Aqui procurou trabalhar com nossa realidade. Ele não
veio trazer a filosofia do butô, mas veio observar as pessoas
daqui., conta Ismael Ivo que se considera filho artístico
de Kusuno.
Na
época, ele conta que usava o cabelo no estilo black power
e Kusuno sugeriu que ele cortasse: Não foi um pedido,
só uma sugestão. Mas não era uma preocupação
estética, através desse processo descobri um novo
Ismael. Foi como nos rituais de passagem. Foi um batismo que me
fez descobrir um outro corpo, um outro movimento, conta.
Ivo,
que é radicado na Alemanha há mais de 20 anos, acredita
no butô como universalização da linguagem
do corpo: O Takao Kusuno nunca disse que eu deveria dançar
butô e sim que eu tinha que entender meu corpo e meu movimento
que vinha de uma força interior.
Para
a mostra Vestígios do Butô, Ivo remontou o espetáculo
As galinhas, do qual participou há 23 anos. Foi o
meu batismo artístico. Kusuno fala da inveja que uma galinha
sente das outras aves por não poder voar, uma metáfora
dos homens reprimidos, explica o dançarino.
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Direto
para o Japão
Em
outubro, a Cia. Tamanduá, fundada por Takao Kusuno, em
1995, vai participar como convidada da Bienal de Quioto. Apesar
de sermos um grupo grande, doze pessoas, estamos tranqüilos
no que diz respeito à apresentação no Japão,
conta Emilie Sugai, uma das integrantes do grupo.
Um
pouquinho do Brasil será mostrado no terra do butô:
O Takao ensinou cada um dos dançarinos a olhar para
seu próprio universo. Nos incentivou a procurar nossas
origens, a olhar para o Brasil, para sua realidade. Vamos mostrar
isso lá, conta Emilie
Eles
vão apresentar os dois últimos espetáculos
dirigidos por Kusuno: O Olho do Tamanduá e Quimera - O
Anjo Vai Voando. O primeiro fala sobre a população
indígena e o Quimera, segundo Emilie, é um questionamento
sobre a vida, trata da condição do homem numa situação
limite, da fragilidade do homem em face à vida.
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