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Jornal Nippo-Brasil
Desde
que imigraram para o Brasil, os japoneses vêm se destacando
em diversas áreas, que vão desde a agricultura até
a tecnologia. E com a arte não poderia ser diferente. As
artes plásticas foram um dos caminhos trilhados pelos imigrantes
para extrapolar os limites da comunidade nikkei. Foi a forma encontrada
por eles para que pudessem se expressar.
Foi
nela que se tornaram grandes mestres. Nomes como Manabu Mabe,
Tikashi Fukushima e Tomoo Handa, são citados até
hoje quando se fala em arte brasileira. Em comemoração
ao Dia do Artista Plástico, celebrado em 8 de maio, o Nippo-Brasil
reuniu os principais artistas plásticos nipo-brasileiros
que marcaram a história da arte no Brasil e conquistaram
também reconhecimento internacional, seja na pintura, na
escultura ou na cerâmica.
Os
samurais da pintura
Falar
em arte no início do século XX era coisa para poucos.
Se para os brasileiros já era difícil ingressar
no meio artístico, tamanha discriminação
e preconceito, que o diga para os japoneses que ainda precisavam
enfrentar outros desafios: a língua do país desconhecido
e as tradições da nação de origem.
Porém,
muitos nikkeis quebraram barreiras e conseguiram se destacar por
seus trabalhos inovadores e inusitados. Manabu Mabe foi um deles.
Nascido em 1934 na província de Kumamoto, no Japão,
veio ao Brasil aos 10 anos de idade. A paixão pelas artes
o acompanhou desde a infância, porém, o pai não
permitia que abandonasse o trabalho no campo para se dedicar às
artes. Somente na década de 40, logo após a morte
do pai, que Mabe veio expor suas obras.
O sucesso
foi inevitável. Nos anos 50, com a expansão do abstracionismo,
seus trabalhos começaram a se destacar tanto que no ano
de 1959 foi eleito pela revista norte-americana Time o ano
de Manabu Mabe. Foi nesse período que o pintor participou
das principais mostras e conquistou inúmeros prêmios,
entre eles o de Melhor Pintor Nacional da V Bienal de São
Paulo, o Prêmio Baun da I Bienal de Jovens de Paris e um
prêmio aquisição no Dallas Museum of Fine
Arts, no Texas (EUA). Em 99, foi eleito pela revista Isto É
o Brasileiro do Século, na categoria Arquitetura
e Artes Plásticas. Diabético, Mabe veio a falecer
em 1997, aos 73 anos.
Outro
grande nome das pinturas foi Tomoo Handa. O japonês migrou
com a família para o Brasil aos 11 anos de idade, em 1917.
Desde a infância, sonhava em ser pintor. No início
dos anos 30, quando mudou-se Lins para a capital paulista, matriculou-se
na Escola de Belas-Artes de São Paulo, onde se diplomou
em 1935. Já no ano seguinte, realizou sua primeira mostra
individual no Nippon Club.
Além
de ser um dos idealizadores do Salão de Arte da Colônia
Japonesa em São Paulo, em 1952, Handa destacou-se também
por participar de grandes exposições, como o Salão
Paulista de Belas Artes, em 1934 e 1935; a I Mostra do Grupo Seibi,
em 1937; e a Mostra do Grupo Guanabara, de 1950 a 1959. Além
de pintor, Handa tornou-se escritor. É dele a autoria do
livro O Imigrante Japonês - História de sua Vida
no Brasil, uma autobiografia de 828 páginas.
Quando
se fala em pintura, impossível não pensar em outros
grandes artistas nipo-brasileiros. Teiiti Suzuki, Kazuo Wakabayashi,
Tomoshige Kusuno, Tadashi Kaminagai, Flávio Shiró,
Masso Okinaka, Yoshiya Takaoka e Tsuguharu Foujita, entre outros,
também estão na lista dos principais pintores de
todas as épocas. Os artistas japoneses e seus descendentes
enriqueceram a arte brasileira, renovando-a com novos modos de
ver e sentir uma nova sensibilidade, uma sutileza, analisa
o crítico de arte José Roberto Teixeira Leite, ex-diretor
do Museu Nacional de Belas Artes. Eles se destacaram pela
fatura requintada, a sensibilidade cromática e o intenso
conteúdo poético, completa.
E,
claro, que não poderíamos deixar de destacar nessa
lista os trabalhos de Tomie Ohtake, uma das pintoras de maior
representatividade na arte brasileira do século XX. Tomie
seria uma presença feminina bastante rara nesse grande
número de artistas da colônia japonesa. Da figuração
passa nos anos 60 a uma pintura expressiva, de grande qualidade,
porém, já assinalando uma economia cromática
que caracterizaria sua obra, diz a historiadora e crítica
de arte, Aracy Amaral.
Sangue
artístico
TRADIÇÃO - Takashi foi influenciado pelo pai
Tikashi
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Alguns
artistas plásticos nikkeis puxaram de seus pais não
apenas o sobrenome ou as características físicas,
mas também o sangue artístico. Foi o caso do pintor
Yugo Mabe, 49, filho de Manabu Mabe. Ele começou a pintar
aos 5 anos de idade. Ao lado do pai e dos amigos dele, cresceu
dentro do universo artístico. Como pai, desde então,
ao invés de ensinar-lhe a técnica ou a pintura propriamente
dita, venho tentando incurtir-lhe mais as qualidades pessoais
que julgo importantes e necessárias para se tornar um respeitável
artista, costumava dizer Manabu.
Assim
como o pai, Yugo participou de inúmeras exposições,
entre elas, sua primeira mostra individual, realizada na Documenta
Galeria de Arte, em 1980; o 1º Salão Bunkyo na Sociedade
Brasileira de Cultura Japonesa, onde ganhou medalha de bronze,
em 1972; e a 4ª Exposição de Belas Artes Brasil-Japão.
Yugo
não é o único. Takashi Fukushima, 54, também
trilhou os caminhos do pai, o também pintor Tikashi Fukushima.
Takashi começou sua carreira artística em 1969,
quando expôs seus trabalhos no Salão Seibi, na Sociedade
Brasileira de Cultura Japonesa, em São Paulo. De lá
para cá, participou de diversas exposições,
inclusive no exterior. Meu pai me deu uma pré-educação.
Me levava em exposições e sempre tive um envolvimento
muito forte com as artes. Aos 15 anos, ele já emprestava
telas para mim, onde eu pintava paisagens imaginárias,
lembra Fukushima. Sou um grande admirador do meu pai. Ele
foi meu grande inspirador, nunca se opôs, me ensinou e apoiou.
Segundo
Takashi, ser filho de um pintor consagrado dentro da arte brasileira
foi um dos fatores importantes para sua carreira. Abre muitas
portas, mas se não tiver talento, não vai a lugar
nenhum, conta. E lamenta que a profissão de artista
plástico tem hoje pouco reconhecimento. Sempre há
um bloqueio e uma obstrução da família porque
ser artista não é regularmente uma profissão.
Hoje, privilegiam as instituições e não o
artista, o produtor de arte final. E, infelizmente, o artista
ainda sofre preconceito de ser chamado de comercial, conta.
Arte
em argila
CERÂMICA - Kimi Nii: “admiro a estética japonesa”
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Não
é apenas na pintura que os nikkeis se destacaram. Uma das
ceramistas nipo-brasileiras mais conceituadas no Brasil é
Kimi Nii, 57. Formada em desenho industrial, trabalhou vários
anos como designer gráfica, mas seu sonho era mesmo de
ser artista plástica.
A carreira
como ceramista começou como um hobby. Depois de fazer um
curso, em 87, e conforme foi produzindo suas próprias peças,
viu que levava jeito para a coisa. Eu estava eufórica.
Foi um momento de realizações, lembra Kimi.
Suas obras, inspiradas na natureza, atraem os mais variados gostos.
Segundo ela, suas peças sempre têm alguma influência
oriental. Não é proposital, mas não
tenho como fugir disso. Admiro a estética japonesa influenciada
pelo zen budismo, e acho que uma característica minha é
ser racional e um pouco poética, explica a ceramista
que já participou de exposições em diversos
estados do País - como São Paulo, Santa Catarina,
Rio de Janeiro e Espírito Santo -, além de mostras
realizadas no Japão, França, Itália, Argentina
e Canadá.
Além
de Kimi, outros nikkeis também consagraram-se na cerâmica,
como Hideko Honma, Shoko Suzuki, Regina Tsuchimoto e Akinori Nakatani.
Grupo
Seibi
O Grupo
Seibi foi um grupo de destaque dentro das artes plásticas
brasileiras. Ele surgiu em março de 1935 por artistas japoneses
que tinham como objetivo criar um espaço para discussões
onde pudessem promover o aprimoramento técnico e a divulgação
de suas obras.
O grupo
foi composto por grandes nomes da pintura nipo-brasileira, como
Flávio Shiró, Manabu Mabe, Massao Okinaka, Shigeo
Nishimura, Tadashi Kaminagai, Takeshi Suzuki, Tikashi Fukushima
e Tomie Ohtake. O Grupo Seibi surgiu num momento em que
eram comuns os artistas se organizarem em grupamentos, especialmente
em São Paulo. Uniam-se para resistir à indiferença
do meio, para se amparar mutuamente e se educarem uns aos outros,
explica José Roberto Teixeira Leite.
Se
mesmo os artistas brasileiros constituíam uma ilha em sua
própria comunidade, isso se tornava mais grave com os japoneses,
separados pela língua e pelos costumes da sociedade brasileira.
Talvez esse dificuldade de os japoneses e seus descendentes se
comunicarem pela fala e pela escrita os tenha levado, em tão
grande número, a buscar expressar-se através das
artes visuais, o que acabaram fazedndo com o maior sucesso.
Os
nikkeis da escultura
IMAGEM - Yutaka Toyota: sempre trabalho com o reflexo
A escultura
foi outra área encontrada pelos nikkeis para representar
a arte nipônica. Entre os principais escultores nipo-brasileiros
do País está Yutaka Toyota, 73. Foi no final da
década de 50, que Toyota passou a ingressar nas artes.
Participou de diversas exposições nacionais e internacionais,
entre elas uma mostra individual na Galeria Matsuya, em Tóquio,
no ano de 1957; a 7ª Bienal Internacional de Artes de São
Paulo, em 1963; e da 2ª Bienal Nacional de Artes de Salvador,
em 1968.
Ao
longo desses anos, Toyota ainda recebeu inúmeros prêmios:
Medalha de Ouro no 12º Salão Paulista de Arte Moderna,
em 1963; Medalha de Konju-Hosho, recebida pelo primeiro ministro
do Japão, em 1979; e melhor escultor de 1990 pela Associação
Paulista de Críticos de Arte (APCA), entre outros. Em
minhas obras, sempre trabalho com o reflexo. Mas não é
o mesmo reflexo dos espelhos, que refletem a verdadeira imagem.
É uma imagem distorcida, em que toda a natureza, o ambiente,
entra dentro da imagem, explica o escultor.
Toyota
realizou alguns trabalhos de pintura no início de sua carreira.
Porém, a convivência com outros artistas fez com
que ele alterasse sua visão estética e passasse
a trabalhar com a escultura como uma criação ambiental.
Além dele, outros escultores também se consagraram
na arte brasileira, como Megumi Yuasa, Lídia Kinue Sato
e Masayuki Sato.
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