Nippo-Brasil:
Como surgiu seu interesse pela música erudita?
Naomi Munakata: Meu pai era pastor da igreja protestante,
mas era regente também. No navio em que viemos para o Brasil,
ele montou um grupo como passatempo. Aqui, ele montou um coro
da colônia (Assunaro), que sobreviveu por um bom tempo.
Eu convivia com isso praticamente todos os dias. A gente também
cantava na igreja. Todos os filhos foram, à princípio,
obrigados a tocar piano. Depois, meu irmão mais velho quis
tocar guitarra e saiu fora. O mais novo queria jogar bola e saiu
fora. Eu fui a única que continuou.
NB:
O que fez para se tornar regente?
NM: Quando eu tinha uns 16 anos, como gosto muito de mexer
as mãos, resolvi que ia fazer regência. Então,
meu pai sugeriu que eu tocasse um instrumento de orquestra. Estudei
violino, prestei faculdade e entrei no Instituto Musical de São
Paulo. Aí, entrei em vários corais brasileiros.
Fui em 86 para o Japão para a Universidade de Música
de Tóquio. Em 1989, fui convidada para ser assistente do
coral do Theatro Municipal. Fiquei um tempo, mas recebi uma bolsa
para estudar na Suécia (1990). Fiquei lá quase um
ano. Em 95, fui para o Coral da Sinfônica do Estado, que
é antecessor do Coral da Osesp.
NB:
Como avalia os corais brasileiros?
NM: O coro amador já esteve melhor. Na década
de 70, as pessoas se divertiam de forma mais artesanal e uma das
formas era o coro. Todo mundo, à princípio, tem
voz. É muito fácil entrar em um coro, que é
também um meio social interessante. Então, as pessoas
freqüentavam muito. Com o avanço da tecnologia, todo
mundo tendo computador em casa, o trânsito ficando cada
vez pior, os coros acabaram. Então, a qualidade dos coros
tem caído muito. Ao mesmo tempo, o coral profissional aumentou.
Até há quatro anos, existia coro mas se ganhava
muito pouco. Hoje, são três no qual se ganha mais
ou menos o mesmo. Tem concorrência e a qualidade melhora.
NB:
Tem-se a idéia generalizada de que música erudita
é coisa para rico. A senhora concorda?
NM: Eu acho que não. É questão de hábito.
É claro que o ingresso não é de graça,
mas é barato. Aqui tem ingresso desde dez reais. Tem também
os ingressos para pessoas de idade, que pagam metade. Se ainda
pedir mais um pouco a gente deixa entrar de graça. Eu sinto
uma resistência porque as pessoas não conhecem e
não querem conhecer.
NB:
Quais as qualidades que um bom regente deve ter?
NM: Primeiro, precisa de muito estudo. Tem pessoas que têm
mais facilidade, que se pode chamar de talento. Mas é basicamente
estudo e muita vontade de vencer, porque barreiras e puxão
de tapete é o que mais existe.
NB:
O fato de ser japonesa tem influência em seu trabalho?
NM: Existe no sentido de disciplina. Sou muito disciplinada
e disciplinadora também. Já tive críticas:
nossa, a Naomi deve dar chicotada nos cantores. Digamos
que sou (crítica) até demais, mas os resultados
são imediatos.
NB:
Qual a sensação de concorrer ao Prêmio Cláudia?
NM: Para mim é uma alegria e honra ser indicada. Acho
que isso vai ser importante não só para minha carreira
mas também para que as pessoas que lêem a revista
conheçam o trabalho de música erudita.
NB:
Quem é a mulher Naomi?
NM: Sou tão dedicada, gosto tanto de música,
que só penso nisso. No dia que alguém falar que
eu estou proibida de fazer música, eu acho que morro. Se
existe uma coisa que me liga com o lado espiritual, é através
da música. Eu entro completamente em estado de alfa quando
rejo. Estudar é penoso, mas a alegria e a realização
disso é tamanha que eu não consigo trocar por nada.
O meu lado pessoal vai por água abaixo porque eu me dedico
completamente à música. Até as minhas plantinhas,
coitadas, vivem sedentas.
NB:
Como é chegar nesse estado de alfa?
NM: É a hora em que não sinto mais a dor no
pé, nem o cansaço. É quando a gente ultrapassa
o limite do ar. Quando vejo o público totalmente paralisado
depois que acaba a apresentação é porque
consegui transmitir realmente. Já defini isso como um orgasmo.
NB:
Existe uma apresentação que marcou?
NM: Uma que marcou muito foi com um coro amador que eu tinha,
muito pequeno. Eu estava completamente proibida de reger por causa
de uma labirintite. Quando acabou, eu desmaiei. Mas foi um dos
melhores concertos que eu regi. Tenho uma gravação
desse concerto e foi realmente um dos melhores. Era para acontecer
mesmo.
NB:
Escuta músicas não eruditas?
NM: Gosto de música brasileira e jazz. Mas sempre acabo
indo para música erudita.
NB:
Que músicos brasileiros gosta?
NM: As obras do Chico (Buarque) são muito interessantes,
tanto na parte poética como musical. Sou muito fã
dele. Fora que ele é muito bonito também (risos).
NB:
Tem alguma relação com a comunidade nikkei?
NM: Não consigo trabalhar na colônia. Até
tive uns convites mas eu não consigo porque é uma
coisa muito fechada, machista. Meu pai fazia parte da diretoria
do Bunka (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa), na área
cultural. Quando ele foi embora (para o Japão), queria
que eu continuasse. Mas é impossível trabalhar com
os machistas japoneses. Eles barram tudo. Para mim eles estão
atrasados no tempo. Eu sempre falo para eles o seguinte: O
Japão está evoluído e vocês, que são
da colônia, estão parados no tempo. Eles falam
que não tem partitura, que não sei o quê.
Isso quando ligar para o Japão era a coisa mais cara do
mundo, até vai. Mas, atualmente, é só acessar
a internet. Eu não tenho paciência.
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