(Texto:
Erika Horigoshi/NB | Fotos: Arquivo - NippoBrasil)
O
povo japonês sempre procurou formas de associar a natureza
com suas crenças, opções e vivências.
É provável que tal fato se deva a características
físicas do arquipélago, que possui sempre suas quatro
estações muito definidas, com interpretações
bem simplificadas. O professor e pesquisador Hajime Nakamura,
em seu livro Ways of thinking of Eastern Peoples (ainda sem tradução
no Brasil), lista traços do modo de pensar japonês,
como a inclinação ao intuitivo e ao emocional; a
tendência não racionalista; e a simplificação
da expressão dos pensamentos por meio da simbologia.
ORQUÍDEA - Típica do verão, ela simboliza
a filosofia
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Muitas
são as teorias, entretanto, o que se sabe a respeito dessa
civilização milenar é que sua cultura é
enriquecida pelos símbolos naturais relacionados a fatos
históricos, lendas e crenças do povo japonês,
algumas valorizadas até hoje. Foi pensando nisso, que o
NB realizou esse primeiro levantamento com os significados das
flores e das árvores tão cultuadas no país
do sol nascente. Na segunda parte desse especial, a temática
recairá sobre os animais no imaginário cultural
do Japão.
Os
simbolismos obtidos pelas feições visíveis
das plantas não são numerosos. Todavia, um grande
número deles é resultado de lendas, mitos e fatos
históricos nos quais as plantas têm um papel importante,
diz o escritor, ilustrador e pesquisador da cultura japonesa,
Cláudio Seto. A paixão dos nipônicos pelas
alternativas artísticas oferecidas pelas plantas tem fama
internacional, com seu maior expoente nas técnicas de ikebana
e no cultivo do bonsai. Essa forte ligação com as
plantas encontrou reflexos culturais ao longo da história
do país e conseguiu eternizar-se em lendas e crenças
populares entre os japoneses.
De
acordo com a professora, escritora e pesquisadora Cecília
Saito, essa ligação dos nipônicos com esses
elementos naturais tem raízes abstratas. É
uma característica do japonês essa familiaridade
com a natureza refletindo o seu interior. Desde os tempos mais
antigos, a atitude ante a natureza é seguida de uma indubitável
melancolia. Alguns exemplos disso são as cerejeiras e suas
flores na primavera e o cair das folhas coloridas do momiji no
outono. São as falas da natureza e sua transitoriedade
no espírito do povo japonês, define.
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Sakura (flor de cerejeira) A tradição
em torno da flor nacional símbolo do Japão está
calcada em lendas e crenças. Sakura é uma modificação
do nome sakuya, proveniente da princesa Kono-hana-sakuya-hime, a
qual os japoneses veneravam no topo do Monte Fuji. Acredita-se que
as princesa tenha caído dos céus sobre uma cerejeira.
Outro aspecto de forte significado do sakura é sua ligação
com os samurais. No período feudal, a vida desses guerreiros
era comparada à efemeridade da flor de cerejeira, que durava
apenas três dias na primavera. Da mesma forma eram os samurais,
sempre dispostos a dar suas vidas em nome de seus mestres. Também
conhecida como flor das flores no arquipélago,
hoje o sakura faz parte da padronagem de quimonos e acessórios
decorativos.
MOMIJI - Conhecido como bordo, é uma planta cujas
folhas ficam avermelhadas e caem sempre na época
do outono
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Momiji
Conhecido como bordo, momiji é uma planta cujas folhas
ficam avermelhadas e caem sempre na época do outono, sendo,
ao lado do sakura (na primavera), um outro espetáculo muito
apreciado pelos japoneses.
Kiku (crisântemo)
Kiku é a flor que designa a família real japonesa
(Trono do Crisântemo), desde a Era Kamakura. Sua chegada
ao arquipélago aconteceu na Era Nara; e sua popularização,
na Era Heian, quando difundiu-se que uma de suas propriedades
seria o prolongamento da vida.
Fuji
Conhecida no Brasil como clêmatis, de seus galhos nascem
cachos de flor que se agarram como videira, simbolizando a fortuna,
a vida longa e a fidelidade. Essas flores são muito utilizadas
em padronagens de cerâmica e de tecelagem japonesas.
Flor de ume (ameixa japonesa)
Fonte de inspiração para muitos poetas do
gênero tanka, na realidade, a tradução mais
apropriada à ume não seria ameixa, pois os frutos
dessa árvore não podem ser consumidos in natura,
em razão de uma toxina neles contida, esclarece a
professora e pesquisadora Cecília Saito. No Japão,
é feita uma conserva com esses frutos (umeboshi), um licor
(umeshu) e as balas de ume. Sua beleza é muito apreciada
pelos nipônicos, quase se igualando à do sakura.
É uma espécie muito admirada por conseguir florescer
calmamente durante uma época fria (fevereiro a março).
Hanashobu (íris)
A íris é uma flor marcante no Japão
desde a Era Edo, quando passou a ser cultivada pelo xogum Matsudaira
Sadatomo (1773~1858) e seu significado está relacionado
ao poder e à felicidade. No final da Era Edo, tornou-se
muito comum o cultivo dessa espécie nos jardins.
Asagao (glória da manhã)
Assim como o sakura e o crisântemo, esta flor tem
uma forte presença na cultura japonesa. Ela floresce nas
primeiras horas da manhã, e suas sementes germinam com
facilidade, sendo levadas pelo vento, crescendo como flores do
campo. No passado, também foi usada com fins medicinais,
já que se acreditava no poder laxante do óleo de
sua semente.
Matsu (pinheiro)
Essa árvore é tida como a de vida mais longa
pelos japoneses, explica o escritor, pesquisador e ilustrador
Claudio Seto. No oriente, a longevidade é sinônimo
de sabedoria, e a sabedoria é o elemento básico
para a verdadeira felicidade, afirma. No Japão, em
ocasiões de nascimentos e casamentos, é comum usar
padronagens de pinheiros em quimonos, cartões de felicitações,
embalagens de presente e lembrancinhas.
Yanagui (salgueiro)
O significado desta árvore está relacionado à
misericórdia divina. No Japão, era freqüente
a comparação de mulheres bonitas com salgueiros.
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Lenda
do casal pinheiro
Diz
uma antiga lenda japonesa que na cidade de Takasago (Hyogo) vivia
um casal de velhinhos, modelo de felicidade e harmonia conjugal.
O velho chamava-se Okina; e a velha, Uba. Eram muito queridos
por todos, pela sua simpatia e bondade.
Um
dia, um mendigo muito velho e andrajoso que era um Kami
(semideus) disfarçado apareceu-lhes na porta da
choupana pedindo-lhes esmola. Okina e Uba mandaram-no entrar e
repartiram com ele sua frugal refeição. Enquanto
comia, o mendigo perguntou-lhes qual era o seu maior desejo. Eles
responderam:
Nosso maior desejo é ter meios para ajudar sempre os pobres
e, quando chegar o tempo de deixarmos este mundo, gostaríamos
de morrer juntos.
Conta-se
que, desde então, eles ficaram prósperos de repente,
viveram longos anos, sempre felizes, e morreram juntos, na mesma
hora.
Foi
então que seus corpos se transformaram em dois pinheiros.
O pinheiro é o símbolo da constância e da
felicidade conjugal. Ademais, o pinheiro significa a perpetuidade
do gênero humano, porque conserva-se sempre verde, mesmo
sob a neve. Estes pinheiros (aioi) em que Okina e Uba se transformaram
crescem dois a dois, em Takasago, e ainda hoje representam o emblema
da união feliz.
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Para
saber mais
BAIRD,
Merrely C. (2001).
Symbols of Japan: Thematic Motifs in Art and Design. Rizzoli Publisher.
COOPER,
J.C. (1978).
An Ilustrated Encyclopaedia of Traditional Symbols. Thames &
Hudson Ltd.
Enciclopédia
dos Museus,
Museu Nacional de Tóquio: Companhia Melhoramentos de São
Paulo.
GUTIÉRREZ,
Fernando G. (1967).
El Arte del Japón. Summa Artis, historia general del Arte,
Vol. XXI. Madrid, Espasa Calpe S.A
HIBI,
Sadao; et.all.(2001).
Snow, wave, pine: Traditional patterns in Japan Design. Kodansha
International, Japan.
WICHMANN,
Siegfried (1999).
Japonisme. Thames & Hudson Ltd. London.
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