Você
pode não conhecê-lo, mas certamente já leu,
se divertiu e até comeu sobre os trabalhos de Marcos Hiroshi
Kawahara, 39. Hiro, como é conhecido, é, nada mais
nada menos, que o ilustrador das famosas lâminas de bandeja
e criador também das caixinhas de lanche da rede de fast
food Mc Donalds, projetos que desenvolve com a equipe da
agência onde trabalha, a Taterka Comunicações.
Em
nove anos de trabalho, o diretor de arte já criou cerca
de 125 lâminas, distribuídas mensalmente por todo
o País. Mas, apesar de gostar de desenhar desde a infância,
sonhava ser biológo, sua grande paixão. Nascido
em Mogi das Cruzes, veio morar em São Paulo para cursar
a faculdade de Biologia, na Universidade de São Paulo (USP).
Em
entrevista ao NB, Hiro fala sobre sua carreira, trabalhos que
já desenvolveu e projetos para o futuro.
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As idéias vão muito de onde estou, o
que estou fazendo, o que estou assistindo, o que estou lendo,
revela
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Como
começou sua carreira?
Fui privilegiado porque nunca trabalhei. Depois de três
anos e meio de faculdade, conheci uma garota que trabalhava numa
editora e, por acaso, eles precisavam de desenhista. E daí
pensei: não vou ser biólogo, vou ser ilustrador.
E cair na Taterka foi muita coincidência. Trabalho
nessa área meio que por acaso. Nunca procurei trabalho.
Mas
você sempre sonhou em ser ilustrador?
Não, queria ser Jacques Costeau, trabalhar com biologia,
ser pesquisador. A habilidade de desenhar era uma coisa que eu
fazia naturalmente, mas eu nunca via isso como uma carreira. Hoje,
sempre procuro juntar as duas coisas: a biologia e a ilustração.
Me incomodava ver coisas mal desenhadas de anatomia, então,
procurei fazer a minha versão. Na visão dos meus
pais, ser artista não era uma coisa muito bem vista, tanto
que uma grande frustração do meu pai foi que eu
não fui doutor, não fiz doutorado. Em compensação
tenho esse meu trabalho atual. Naquela época, quando eu
falei que ia parar minha carreira de biologia, ele não
gostou nem um pouco. Falou que artista morre de fome.
Como
surgiu essa oportunidade de ilustrar as lâminas do Mc Donalds?
Na verdade as lâminas surgiram pelo dono da Taterka.
E quando ele me apresentou a proposta, eu falei: vou tentar.
Muita gente não queria pegar esse trabalho, justamente
porque não vende nada. Comecei pegando uma, duas, três,
quatro. Depois de uns anos eu passei a ter mais liberdade para
escolher os temas e criei um subgrupo de lâminas: educacionais,
divertidas, cívicas, e faço um rodízio delas
até hoje.
Como
é o processo de criação?
O padrão é fazer uma lâmina por mês,
mas o tema varia muito. Muitas vezes a informação
bate na minha cara e eu falo: puxa, isso aqui dá
uma lâmina de bandeja!. A de Portugal, por exemplo,
eu não tinha informação, então viajei
para lá e acabei fazendo em uma semana ou menos. Hoje em
dia, metade dos temas está relacionado com a campanha que
tem na loja, e a outra metade, quando não tem uma promoção,
eu faço livre. A lâmina da Arca de Noé, por
exemplo, está relacionada com a campanha dos bichos que
a loja está tendo. A lâmina é o temperinho
da campanha. O produto, no caso a caixinha, gera dinheiro, já
a lâmina não, pois como não tenho a preocupação
de vender, sou totalmente aberto para criar.
Onde
busca inspiração?
Meus grandes inspiradores são Hayao Miyazaki, que
fez o filme A Viagem de Chihiro, e o caricaturista americano Al
Hirschfeld. Miyazaki é o único desenhista japonês
que eu abaixo a cabeça e o Hirschfeld, que tem hoje 99
anos, é um grande caricaturista. Minhas inspirações
também vêm desde freqüentar uma livraria, assistir
televisão ou conversar com crianças. As idéias
vão muito de onde estou, o que estou fazendo, o que estou
assistindo, o que eu estou lendo. Tento passar para as crianças
essa cultura de ler, que é muito importante. Por isso as
lâminas têm muito texto.
Personagens como o cachorro do ilustrador, o Bisteca, e alienígeas
estão sempre presentes nas ilustrações
Em
suas obras, há alguma influência dos mangás?
Ao contrário. Tenho a preocupação de
não fazer mangás porque percebi que os traços
de mangá são genéticos. Por causa da influência
desde criança, você tem a tendência de desenhar
olho grande. Eu tenho que me vigiar para não desenhar mangá,
porque sem querer acabo desenhando. Agora estou fazendo uma lâmina
de ideogramas. É complicado porque percebi que você
precisa saber falar chinês, porque todos os kanjis vieram
da China. Eu estou pesquisando mais a fundo e nessa lâmina
pretendo fazer tudo em mangá também, pois acho que
tem tudo a ver.
É
verdade que seu cachorro, o labrador Bisteca, está sempre
presente em seus trabalhos?
Verdade. Também coloco sempre alienígenas.
Como eu não posso colocar minha assinatura no texto, a
minha assinatura faz parte do desenho. Ela não fica na
cara, fica bem escondida no desenho. Sempre está num detalhezinho.
E
com relação aos outros personagens? Eles são
caricaturas de pessoas que você conhece?
Depende do caso. Evito pôr gente conhecida. Coloquei
minha esposa algumas vezes, mas gente não é igual
cachorro. Se você põe uma, tem que colocar todo mundo.
Às vezes sai alguém que eu conheço, mas isso
é inconsciente. Eu procuro não colocar gente conhecida
justamente para não criar conflito, porque a pessoa pode
não gostar.
Como
é a receptividade do público?
Descobri que tem gente que coleciona, tem fã-clube,
e até alguns professores que utilizam na escola. Esse é
o meu grande orgasmo de trabalho, porque era isso o que eu queria.
Sei que a intenção de uma lâmina de bandeja
é passar um pouco de informação. Geralmente
uma lâmina tem umas 80, 100 trocas de informações.
Isso me dá margem para colocar desde o que é básico
até o absurdo, o bizarro. Tem uma lâmina que eu fiz
um detalhe bem pequeno com personagem do Evangelion (animê)
e os otakus, fãs de desenho animado, perceberam. Por isso,
eu preciso ter muito cuidado com o que eu coloco na lâmina.
E
como é, para você, ver as pessoas lendo, se divertindo
com o seu trabalho?
Mexia muito comigo no começo. Hoje eu acho muito legal,
mas não tenho muito apego. Isso nunca me veio como glória,
mas como responsabilidade. São 10 milhões de lâminas
por mês. Então, teoricamente, estou conectado com
10 milhões de pessoas sem saber. Isso aqui é meu
mascote. Fico orgulhoso com o que eu faço.
Além
destes trabalhos, você ainda está engajado na produção
e elaboração de dois livros, projetos pessoais seu.
O que eles abordam?
Um deles é infantil, que fala de fadas. Escrevi sem
nexo, sem pé nem cabeça, mas com uma lógica.
No fim ele acaba sendo um livro como Alice no País das
Maravilhas, você bota muita coisa escondida sem querer passar
nenhuma mensagem, ele é só bonito. E o outro é
só texto e também fala da relação
entre as pessoas, mas é uma coisa muito mais lúdica.
Ainda não tem previsão para lançamento, pois
não tem nem editora ainda. (risos)
De
todas as lâminas que fez, qual foi a que mais gostou?
Foi a de direitos porque o livro que escrevi nasceu por causa
dessa lâmina de bandeja. Eu descobri que eu tinha capacidade
de fazer uma linguagem poética. Essa lâmina foi a
que eu mais cheguei perto na perfeição do texto.
Ela passa uma coisa muito séria, mas pensando como criança.
Já escrevia textos, mas a minha capacidade de escrever
histórias foi nessa aqui.
Para
finalizar, qual a dica que você dá para aqueles que
queiram seguir a carreira de ilustrador?
Para ser ilustrador tem que ter a mente aberta, treinar sempre
e observar tudo. Não adianta falar que você estudou
com um cara bam-bam-bam na área . É importante não
se apegar a um estilo, como mangá. O mercado de ilustração
é grande. A pessoa precisa ir muito além de mangás,
grafites para skate ou histórias em quadrinhos. É
preciso desenhar desde um repolho a uma mulher pelada. Essa é
uma das poucas carreiras que não precisa de diploma e você
não pode recusar trabalho.
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